Ana Frango Elétrico – Little Electric Chicken Heart

 

Gênero: Rock alternativo
Duração: 29 minutos
Faixas: 9
Produção: Ana Frango Elétrico e Martin Scian
Gravadora: Risco

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Este é mais um daqueles discos pra gente mostrar pro Milton Nascimento. Ana Fainguelernt se tornou Ana Frango Elétrico ao longo do tempo e estreou em disco no ano passado, com o bom “Mormaço Queima”, aos vinte anos. Sim, isso mesmo, apenas vinte anos de idade. Ela volta com seu segundo álbum agora, pouco mais de um ano depois, este ótimo “Little Electric Chicken Heart”, no qual mostra, pra todo mundo que se disponha a ouvi-la, uma mistureba conceitual de Mutantes/Rita Lee inicial solo e Burt Bacharach, coisa rara e sensacional. O release diz ainda que a cantora e compositora viveu uma fase de amor total por Nora Ney, um dos grandes nomes do samba-canção brasileiro, dos tempos de ouro do rádio. Sendo assim, o banquete que Ana oferece aqui não é para o ouvinte médio, é coisa muito fina.

 

Uma audição mais dedicada de “LECH” vai mostrar que Ana sabia exatamente o que estava fazendo, quando misturou essas influências tão distintas, mas igualmente familiares aos ouvidos. Os arranjos de metais são uma espécie de referência comum às faixas, soando clássicos e respeitosamente datados, lembrando uma certa reverência a um tempo que já passou. Em meio a esse classicismo, que também evoca a anarquia tropicalista em muitas vezes e a fruição orquestrada de Burt Bacharach, Ana surge com uma voz quase adolescente e versos desconcertantes, como “Pesquisando o nome e o endereço de torturadores/Só pra contar pros netos e porteiros/Que têm todo o direito de saber” (em “Torturadores”) ou o surrealismo absoluto de “Suas narinas sangram chocolate/Você está comendo chocolate” (em “Chocolate”).

 

Este contraste não é novo, os Mutantes o exploraram como uma de suas marcas registradas, usando a voz de Rita Lee como este elemento singelo/infantil em construções ousadas e magistrais. Guardando as proporções, Ana consegue o mesmo resultado aqui e eles são ainda mais louváveis à medida em que surgem inesperadamente, como o flugelhorn que pontua a melodia popíssima de “Torturadores”, talvez a grande faixa do disco. É o arranjo de metais que novamente constrói a ponte entre o clássico e o moderníssimo em “Devia Ter Ficado Menos”, cuja letra enumera visões cotidianas: “Devia ter ficado menos/Menos na cama/Menos tempo no chuveiro”, driblando as impressões mais existenciais.

 

O que é legal em “LECH” é que ele consegue recriar o clima experimental como ele poderia soar em fins dos anos 1960, um tempo que, em muitos aspectos, ainda não foi superado em inventividade e astúcia estética. Ana consegue este vai-e-vem estético e reveste suas canções com uma espécie de classicismo moderno, uma coisa difícil de explicar, mas fácil de perceber logo nos primeiros acordes de “Saudade”, a faixa que abre o disco, com um fraseado de metais que é imediatamente reconhecível, porém indetectável pela consciência, estando presente num plano, digamos, imemorial.

 

Se a audição de um disco consegue dar à sua resenha um ar igualmente complexo e meio aturdido, como o que vocês estão vendo, é porque ele pode contaminar seu dia com a mais pura música, feita para ouvir, prestar atenção e descobrir detalhes. Em pouco menos de meia hora, é o que Ana Frango Elétrico reserva pra você. Não a deixe esperando.

 

Ouça primeiro: “Torturadores”

 

 

Foto: Nick Duarte

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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