Curumin retorna com seu melhor disco
Curumin – Pedra da Selva
45′, 17 faixas
(Boa Música Rights)
Luciano Nakata, conhecido como Curumin, demorou sete anos para lançar seu quinto e novo álbum, este belíssimo “Pedra da Selva”. Se para ouvirmos um trabalho tão legal for necessário esperar tanto tempo, que esperemos quietinhos. “Pedra” não só é o melhor disco da carreira de Curumin, como é um dos melhores e mais bem definidos tratados recentes de fusão de ritmos nacionais e internacionais, de eletrônica e “música orgânica”, de moderno e tradicional, tudo junto, ao mesmo tempo. Como eu escrevi há sete anos, na resenha de “Boca”, antecessor de “Pedra”, para o Monkeybuzz: “A mesma sociedade que dança e vibra ao som do sertanejo universitário, é a mesma que dá a luz a um trabalho como este”. Na ocasião, esta frase serviu para fazer referência ao próprio “Boca”, um disco que já era sensacional, justamente em sua capacidade de fusão. Pois “Pedra” é dez vezes mais interessante, aprofundado e cheio de possibilidades. É uma cacetada no ouvido e simplesmente pulveriza toda e qualquer sonoridade que venha reivindicar fusões e interpretações de música negra universal feita no Brasil feita recentemente. É coisa realmente séria.
A primeira vez que ouvi falar de Curumin foi através da trilha sonora do Fifa Street 2002, que trazia a faixa “Guerreiro”, de seu álbum de estreia, “Achados e Perdidos”. Algum tempo depois, lá estava ele ajudando a sonorizar outro game, dessa vez, o Fifa 2009, com “Magrela Fever”, que já era faixa de seu segundo trabalho, “Japan Pop Show”, no qual estourou nacionalmente. Ao mesmo tempo em que solidificava sua carreira solo, Luciano-Curumin atuou como baterista e produtor musical, trabalhando com muita gente, de Arnaldo Antunes ao grupo Apanhador Só, passando por Antonio Carlos & Jocafi. É um cara com ótimas sacadas ritmicas, uma espécie de Max de Castro com mais atenção aos ritmos e influências nacionais. Foi a partir do terceiro trabalho, “Arrocha”, de 2012, que Curumin começou a deixar a preocupação em fazer hits de lado e passou a perseguir a mistura perfeita de música nacional-estrangeira, negra-branca, eletrônica-orgânica. Em “Boca”, ele já estava totalmente imerso nessa busca, mas ainda capaz de cravar ótimas canções. Aliás, em todo álbum do Curumin há, pelo menos, uns três ou quatro momentos de perfeição e equilíbrio melódico e acessibilidade.
Com “Pedra da Selva” não é diferente. A preocupação se dá com a fluidez dos tambores, das programações e, se, por acaso, em algum ponto da melodia e do arranjo surgir a acessibilidade pop – algo inerente ao próprio trabalho de Curumin – ótimo. Mas não é uma condição sine qua para a existência de seu disco. O engraçado é que a quantidade de faixas com potencial para tocar em rádio, em festa, em playlist, é imensa e encanta o ouvinte de jeito inapelável. A graça ainda é a mesma – misturar extremos e fazê-los coexistir harmonicamente. A fluência das dezessete faixas de “Pedra” é semelhante à de uma peça única, uma suíte ou algo assim, seja pela coerência dos timbres, seja pela excelência. Já na faixa que abre os trabalhos, “Só Para no Paraibuna”, ele encarna uma espécie de João Bosco pós-milênio e engata uma pororoca rítmica de tambores e sons sintetizados para sustentar uma letra surreal em que os sons valem mais que as palavras. Em “Pisa”, por sua vez, ele já deriva para uma fusão de eletrofunk oitentista com programações atuais e mais uma letra surreal sobre conduta e postura diante da vida.
Em “Água Fria em Pedra Quente”, as influências afro maciças tomam conta do arranjo a ponto de emprestar uma dinâmica de ponto de terreiro, temperada por sintetizadores graves, que fazem enorme diferença nos menos de dois minutos. Em seguida vem o single “Flecha do Dedo”, um smooth funk noventista em câmera lenta que se mistura com timbres trap sutis e se sai com algo totalmente novo e diferente, ainda que soe totalmente familiar. Os vocais em falsete vão em canto-resposta e evocam climas de Djavan com um violão discretíssimo em meio ao arranjo. Logo após, “Estado de Choque” é quase acústica, quase sambística, ainda meio djavânica, enfatizando a voz de Curumin, que é sempre adequada aos timbres escolhidos. Em “Meu Benni” ele pega mais ritmos africanos e os arremessa em sintetizadores misturando com batidas marciais que lembram várias canções de vários lugares. “Corredor do Mato Dentro” é outro smooth funk em câmera lenta, com muita influência de MPB brasileira oitentista, lembrando um pouco as incursões de Milton Nascimento em álbuns como “Portal da Cor”. “Cigana Cigarra” é uma rara incursão ao pop mais linear, não menos inspirada, com ótimos sintetizadores e linha melódica pontuada por vocais divididos com Iara Rennó. “Jacarandá”, com Livia Nery, é outra lindeza de inspiração na MPB oitentista, que mostra um domínio completo neste setor meio esquecido da produção nacional.
“Pedra da Selva” é um triunfo. É plural, identificado com seu autor e com uma tradição de músicos que ousou misturar várias informações em busca de uma verdade inalcançável. Das tentativas recentes de obter clareza dessas misturas todas, esta é a mais bem acabada que ouço em muito, muito tempo. Bravo. Direto para as listas de melhores de 2024.
Ouça primeiro: “Só Para no Paraibuna”, “Pisa”, “Água Fria em Pedra Quente”, “Flecha do Dedo”, “Estado de Choque”, “Meu Benni”, “Corredor do Mato Dentro”, “Cigana Cigarra”, “Jacarandá”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.