Finalmente, o novo disco do The Cure
The Cure – Songs Of A Lost World
49′, 8 faixas
(Lost Music/Universal)
Dezesseis anos. O que você estava fazendo em 2008? Este foi o ano de lançamento do último álbum do The Cure, “4:13 Dream” e, lembramos bem, trata-se de um disco, digamos, apenas razoável se comparado com outros momentos da discografia da banda. Antes dele, o álbum homônimo, de 2004, e “Bloodflowers”, de 2000, fecham a parte da carreira do Cure do milênio para cá. Quando “Alone”, a primeira faixa deste “Songs Of A Lost World” foi lançada como single, ficou mais ou menos evidente que o Cure voltaria mais ou menos do ponto onde parou – com sua faceta mais triste, sofrida e dark dando as cartas. Mas o que não ficou claro – e só fica agora, com a chegada do álbum em sua totalidade – é que a banda assumiu um jeito diferente de expressar sentimentos e tristeza. É mais ou menos como a vida – a gente fica triste mas talvez pelos motivos diferentes à medida em que ficamos mais velhos. Sendo assim, é quase impossível lamentar as mesmas coisas que perdemos aos vinte e poucos e aos 65 anos, idade do nosso glorioso Robert Smith. A constante universal é o sofrimento e ele dá as cartas em todos os cantos deste novo “Songs Of A Lost World”.
E não faltou sofrimento para Smith nestes últimos dezesseis anos. Ele perdeu os pais e o irmão e viu a idade chegar. Em meio a isso, comemorou os quarenta anos de existência do The Cure com shows extensos e apresentações marcantes. Além dele, Simon Gallup, baixista venerável da banda, perdeu sua mulher em 2019. Se somarmos a isso a decadência material do mundo, as questões ambientais, a ameaça fascista global, miséria, fome, tudo junto, é de se esperar que “Songs” venha envolto em várias camadas de tristeza e tons sombrios. Na verdade, o que Smith lamenta agora não é mais um amor perdido ou uma eventual inadequação diante de padrões da sociedade ou algo assim, mas a absoluta certeza de que o fim está próximo, que muita gente amada se foi, que, em muitos casos cotidianos, não há nada a ser dito. A solidão existencial no meio da multidão. A rapidez vertiginosa que rege o tempo transcorrido e transcorrendo, tudo junto, embolado e borrando o batom que o veterano guitarrista e vocalista ostenta orgulhoso, uma das identificações que resistiram a esse derretimento em múltiplos campos.
Confesso que, como admirador da banda, sinto falta das faixas mais pop, algo que o Cure sempre soube fazer até mesmo em momentos intensamente dolorosos, caso, por exemplo, de canções como “Lovesong” ou “Lullaby”, presentes em um de seus pontos mais emblemáticos de sofrimento sonoro, “Desintegration”, de 1989. Ou de singles como “The Walk” ou “The Lovecats” e veja que nem estou lamentando a ausência de cores mais fortes, como as de álbuns como “The Top”, “Kiss Me Kiss Me Kiss Me” ou mesmo o ápice desse “Cure feliz”, “Wish”, de 1992. Definitivamente a opção pela escuridão com tons de cinza me parece o mais adequado a se fazer neste momento e, uma vez decidido, o Cure mergulha com força nessa sonoridade épica que aprendeu a fazer, justamente a partir de “Desintegration”, com lentas e contemplativas canções sem pressa para acabar, abandonando as influências pós-punk oitentistas em favor de uma identidade própria. Agora, tanto tempo depois, a banda repagina essa identidade e a adapta para este tempo em que fãs de vários momentos estão em polvorosa, loucos para sofrer gostoso ao som de novas canções.
E essas canções? O que dizer? Bem, das oito que compõem o percurso sonoro de “Songs Of A Lost World”, duas são realmente dignas de figurar em antologias da banda no porvir, o que já é um forte indicativo de qualidade. A segunda faixa, “And Nothing Is Forever”, é realmente bela, com um arranjo pungente de pianos e sintetizadores, que emolduram uma melodia elíptica e bem triste, falando sobre as idas e vindas da própria banda e de seus integrantes, confrontando tudo com a efemeridade e a certeza de que tudo acaba. “All I Ever Am” fala quase das mesmas angústias em plano pessoal, com Smith lamentando que chegou até aqui sem mais nada a dizer, sem ter o que pensar, se sentindo sozinho em um palco deserto. O arranjo é belo, tem uma bateria criativa e boas guitarras, tocadas por Reeves Gabrels, que está na banda desde 2012 e só agora pode gravar um álbum com seus companheiros. “A Fragile Thing”, um dos singles, já havia impressionado positivamente por conta dos belos pianos e do andamento a média velocidade, lembrando algo de “Desintegration”. Em “I Can Never Say Goodbye” Smith se refere textualmente a algo perverso que levou a vida de seu irmão e faz isso com sinceridade dilacerante. E ainda tem o início – com “Alone”, o primeiro single, e “Endsong”, o fecho, com mais de dez minutos de duração, com os versos: “It’s all gone, left alone with nothing, the end of every song”, ambas com sintetizadores e pianos que perpassam vários tons de cinza.
The Cure voltou e o fez da maneira possível. Mesmo que quase todas essas novas canções já tenham aparecido em shows recentes da banda, agrupá-las num novo álbum da banda é uma solenidade a que os fãs têm direito. Como um trabalho dentro da discografia do grupo, “Songs Of A Lost World” ocupa um lugar importante, dentro de bons trabalhos do Cure, mas não é, definitivamente, um de seus momentos mais inspirados. Não quer dizer que seja ruim, porque, definitivamente, não é.
Ouça primeiro: “A Fragile Thing”, “And Nothing Is Forever”, “All I Ever Am”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.