Finalmente o grande disco de Michael Kiwanuka

 

 

 

 

Michael Kiwanuka – Small Changes
40′, 11 faixas
(Universal)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

A carreira de Michael Kiwanuka demorou para engrenar. Quando ele surgiu, em 2012, com seu primeiro disco, “Home Again”, ficou evidente seu talento e seu apreço por uma música britânica então meio deixada de lado, o folk rock de lá. Ele vinha com muita influência de Van Morrison, Nick Drake, Al Stewart, mas ainda parecia fora de foco e com pouca personalidade. Quando veio o sucessor, “Love And Hate”, de 2016, Michael já apresentava uma outra camada de informação: o soul e o r&b modernos, especialmente por conta da presença de Danger Mouse e Inflo na produção. Em 2019, ano de lançamento de “Kiwanuka”, era possível ver que o trio havia se entrosado às mil maravilhas e certamente o advento do misterioso grupo SAULT, pilotado por Inflo e do qual Michael participou várias vezes, contribuiu para a definição desta sonoridade, ao mesmo tempo novíssima, mas devedora deste belo entroncamento estético de soul e folk. Agora, finalmente, com este belíssimo “Small Changes”, Michael, Inflo e Danger Mouse novamente usam dessas informações, porém, com o foco e a excelência que todos os esforços anteriores apontavam, mas não entregavam completamente. Tudo o que ouvimos nestas onze faixas é sublime e belíssimo, ainda que não exatamente original. Vejamos.

 

Quando digo que esta sonoridade não é original, não quero dizer que é “ruim” ou que não tem valor. Na verdade, Michael se mostra discípulo de um grande mestre esquecido do soul folk setentista, Terry Callier, que chegou a colaborar com o Massive Attack em algumas poucas gravações e faleceu em 2012. Callier era americano e conseguiu mesclar com maestria a transcendência da soul music com a lindeza de costumes do folk, partindo, por sua vez, do trabalho de outro mestre: Richie Havens. É uma linhagem muito rara e nobre. Além dele, podemos inserir outro gigante da soul music mais lírica e folkie neste time de referências: Bill Withers, cuja canção “Ain’t No Sunshine” é um ótimo exemplo. Dá pra dizer que a Inglaterra também teve um representante neste ramo sonoro, o trovador Labi Siffre, cujo trabalho nos anos 1970 foi pouco notado, mas ganhou novíssima dimensão quando a canção “It Must Be Love” foi redescoberta pelo público de Kanye West, que a sampleou. O mesmo aconteceu com “I Got…”, sampleada por Eminem.

 

Temos então “Small Changes”. Que disco lindo. O arranjo de cordas que surge logo na primeira canção, “Floating Parade”, já anuncia que estamos entrando numa dimensão mais gentil e bela. A voz de Michael está melhor do que nunca e a produção de Mouse e Inflo tem a medida exata dessa “velha modernidade” que parece ser o paradoxo no qual a música de Kiwanuka parece querer viver. Em “Small Changes” este clima é amplificado, com um arranjo mais minimalista e calcado em teclados discretíssimos e vocais de apoio que vão entrando aos poucos, com as cordas seguindo de prontidão, entrando sutilmente aqui e ali. “One And Only” também vai por este mesmo caminho, novamente com ótima performance vocal de Michael em meio a instrumentos de cordas e violões acústicos que parecem vir de todos os cantos do espectro sonoro. A beleza de “Rebel Soul”, sustentada por uma frase de piano em elipse, novamente com ótimos vocais de apoio e uma linha de baixo marcante, aponta para mais uma variante de lindeza dentro do álbum.

 

Em “Lowdown”, dividida em duas partes, uma guitarra psicodélica e meio floydiana invade a paisagem sonora e dá um contorno inesperado. Também é novidade o timbre de teclado que compõe o arranjo de “Follow Your Dream”, com um toque levemente oitentista que se dispersa no meio do todo. “Follow your dreams, like a lost child” diz Kiwanuka meio desencarnado. “Live For Your Love” tem guitarras familiares e uma melodia lindíssima, para uma rara canção de amor derramado que dura menos que três minutos e pode ser o momento mais belo do álbum. Também é de amor o tema que rege “Stay By My Side”, cuja levada macia é ancorada na bateria angular e criativa que preenche todo espectro. A partir daí o final do álbum se aproxima, e Michael resolve brindar o ouvinte com um momento dourado suspenso no ar – com violões acústicos, ele introduz a levada soul funk de teores ultralight que dá vida a “The Rest Of Me”, que soa linda e totalmente próxima do melhor que estes artistas citados no início do texto fizeram. “Four Long Years” fecha o disco com uma pegada mais próxima do r&b mais lento e tradicional, belo, polido, doído.

 

Michael Kiwanuka estará no próximo Lolapalooza e esta será uma oportunidade dourada para ver se ele é capaz de transpor para o palco todas as sutilezas e sentimentos que sua obra, especialmente este álbum, propõe. Em estúdio, pelo menos, este “Small Changes” o coloca na prateleira mais alta.

 

 

Ouça primeiro: “The Rest Of Me”, “Live For Your Love”, “Lowdown pt.2”, “Rebel Soul”, “Floating Parade”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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