Feliz Aniversário, Living Colour!

 

Rio de Janeiro, Circo Voador, 13/06/19, 21h.

 

Lembro de uma resenha na antiga Bizz, sobre um show dos australianos do Midnight Oil, em algum momento do fim dos anos 1980. O jornalista – cujo nome não lembro – se perguntava qual era, naquele momento, a melhor banda de rock do mundo? Ele ponderava sobre a impossibilidade de responder tal questão, especialmente por conta do sucesso de várias formações à época, especialmente o U2 em fase “Joshua Tree”. Pois, para ele, naquele dia, naquele momento, após aquele show, a melhor banda de rock do mundo era o Midnight Oil.

 

Enquanto via o Living Colour no palco do Circo Voador, esta resenha antiga me martelava a cabeça e me dei conta de viver a mesmíssima situação. No dia 13 de junho de 2019, a melhor banda de rock em atividade no planeta era o quarteto novaiorquino. Corey Glover (vocais), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria), formam, juntos, uma usina sonora capaz de executar uma diversidade enorme de tarefas. Eles vão do hard rock ao funk em um décimo de segundo. Do jazz ao hip hop num piscar de olhos. Da quebradeira hardcore ao swing baladeiro como quem coça o queixo. E fazem isso como se não conseguissem fazer de outro jeito. Sem falar que os caras estão juntos há mais de 30 anos, executando esta abordagem do rock com afinco. É uma pena que o Living Colour não tenha se transformado num gigante dos anos 1990, como, por exemplo, o Red Hot Chili Peppers, uma banda muito, mas muito inferior.

 

A ideia do show do LC no Circo Voador era celebrar os trinta anos de sua estreia, o sensacional “Vivid”. Para isso, a banda tocou o álbum em sua totalidade, mantendo a ordem original. Abriu os trabalhos com duas versões incendiárias, que funcionaram como “esquenta’ para o público que semilotou o espaço: “Preachin’ Blues”, de Robert Johnson, e “Who Shot Ya”, de Notorious B.I.G. Depois desta pajelança guitarreira e hip-hopeira inicial, Corey Glover anunciou: “agora a gente vai tocar todas as músicas de “Vivid”. Vocês estão prontos?” Após o “sim” entusiasmado, meus amigos, o bicho pegou e pegou forte.

 

Fica impossível não notar a amplitude deste disco depois de tanto tempo. É um painel de como a banda era – e é – capaz de amalgamar estilos que não se comunicavam tão bem, numa maçaroca sônica própria, com cara e identidade intransferíveis. Neste universo convivem porradas como “Cult Of Personality” e pop songs perfeitas como “I Want To Know”, que, apesar de tão diferentes, também são, paradoxalmente, iguais dentro deste contexto que é amplo e harmonioso. Ao longo do show, fica evidente o virtuosismo da banda: Reid é, sem exagero, um dos maiores guitarristas em atividade. Inventou técnicas, soa como se fossem uns três instrumentistas ao mesmo tempo. Wimbish é um monstro. Toca seu baixo como se fosse fazer vários slaps, mas não compromete o andamento das canções, chegando a modificar estruturas em fração de segundos. E Calhoun, pelo amor de Deus, é um octopus, incapaz de seguir levadas convencionais, parecendo esticar tempos e andamentos, sem, na verdade, fazê-lo. E Corey Glover ainda tem a voz de um moleque, capaz de soar como um vocalista de heavy metal e um bluesman, dependendo da ocasião.

 

Momentos inesquecíveis: “Open Letter (To A Landlord)”, cantada em uníssono pelo público presente. “Memories Can’t Wait”, que costumava ser dos Talking Heads, mas tornou-se do Living Colour. E o bailão sacolejante de “Glamour Boys”, que fez novamente o Circo Voador cantar em uma só voz.

 

Como se não bastasse, o bis trouxe três canções do melhor trabalho da carreira da banda, o sensacional “Time’s Up”, de 1990, sucessor de “Vivid”. Primeiro veio a balada infernal “Love Rears It’s Ugly Head”, uma espécie de showcase para os caras mostrarem sua versatilidade. Em seguida, “Elvis Is Dead”, em versão supersônica, com direito a citação literal de “Hound Dog”, sucesso do Rei nos áureos tempos. E o fecho impressionante com “Type”, novamente uma onda gigantesca de cacetadas e harmonias, tudo junto ao mesmo tempo.

 

Como dizia a velha resenha da Bizz. Ontem, 13 de junho, não tinha como ser diferente: o Living Colour era a melhor banda de rock em atividade no planeta. De lavada.

 

Setlist

Preachin’ Blues
(Robert Johnson cover)

Who Shot Ya?
(The Notorious B.I.G. cover)

Cult of Personality

I Want to Know

Middle Man

Desperate People

Open Letter (To a Landlord)

Funny Vibe

Memories Can’t Wait
(Talking Heads cover)

Broken Hearts

Glamour Boys

What’s Your Favorite Color? (Theme Song)

Which Way to America?

Drum Solo

Love Rears Its Ugly Head

Elvis Is Dead
(With “Hound Dog”)

Type

]

 

Foto: Rom Jom

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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