Em Defesa da UFF

Eu sou doutorando da Faculdade de História da UFF. Lá concluí o meu mestrado e minha graduação. Antes dela, me graduei na Faculdade de Comunicação Social da Uerj, especializado em Jornalismo. Sou, portanto, aos quase 49 anos, um frequentador do ambiente universitário público brasileiro. Há poucos dias foi anunciada uma redução no já minguado orçamento da UFF, da UnB e da UFBA, sob alegação de que estas instituições promoveram manifestações contra o presidente eleito. E que, segundo o ministro da justiça, elas – as universidades – seriam sinônimo de balbúrdia, uma vez que não poderiam manifestar-se sem provar seu valor e relevância com números.

Eu poderia fazer um pequeno clipping para provar o valor destas três instituições em feitos de alunos e professores ao longo dos últimos anos, mas prefiro falar sobre minha experiência, especialmente na UFF. Entrei lá com a intenção de realizar o sonho de estudar História, minha grande paixão. Deveria ter feito isso quando saí do colégio, mas tive receio de não conseguir uma boa posição no mercado de trabalho. Daí fiz…jornalismo. E depois voltei para a História. Não me perguntem sobre boa posição no mercado de trabalho, mas, se quiserem me perguntar sobre a maravilha que é estudar num ambiente como o da UFF, eu posso responder.

O Campus Gragoatá, onde está o Instituto De Ciências Humanas e Filosofia da UFF, é um conjunto de prédios na orla de Niterói. Dá pra ver a Baía de Guanabara e sentir a brisa do mar em dias de verão. Os blocos foram modernizados nos últimos anos, graças aos governos petistas. Novos prédios foram erguidos, salas com ar refrigerado foram oferecidas, instalações de informática, laboratórios, tudo isso foi construído. Ainda que as remunerações não fossem perfeitas, professores entravam satisfeitos em sala de aula para ministrar suas disciplinas. Funcionários públicos ou terceirizados atendiam em secretarias e departamentos. Foi esta realidade que me recebeu no segundo semestre de 2009, quando lá entrei. E, desde o primeiro momento, recebi uma intensa oferta de conhecimento e disposição por parte dessas pessoas.

Lá tive contei com tudo o que precisava: oportunidade, espaço, ambiente para o estudo e promoção do conhecimento. Vi pessoas fazendo sacrifícios, honrando muito mais que seus salários, trabalhando por amor e dedicação além do dinheiro pago. Vi professores que se tornaram referência para minha vida. Fiz trabalhos em grupo, apresentei seminários, fiz várias disciplinas sensacionais, ampliei significativamente o meu conhecimento. Não vi nenhuma balbúrdia, pelo contrário. Só vi pessoas unidas pelo ideal de estudar, conhecer, compartilhar experiências. Mesmo mais velho que a maioria dos alunos, fiz um grupo muito querido de amigos, os quais fazem parte da minha vida. Além deles, muitos colegas e conhecidos que também estão contidos nessa experiência. Mais que estudo e títulos, tudo isso é sobre amigos, liberdade de pensamento, de escolha, de vida.

É muito confuso ver que este ambiente está sob ataque de quem deveria preservá-lo. O governo federal, personificado pelo Presidente e pelo Ministro da Educação, já foi muito melhor com as universidades federais. Foi por ação dele que a UFF e outras instituições receberam estímulo e incentivos nunca vistos antes na história do país. A UFF, sozinha, conta com 47 mil alunos. Pense nisso: 47 mil pessoas estudando sob custeio do estado, que arrecada imposto para isso, para investir na formação e no aprimoramento das pessoas em nível pessoal e profissional. É gente se preparando para o mercado de trabalho e para o convívio em sociedade. Nunca há prejuízo com investimento em educação. A menos, claro, que não se veja a educação como isso, a menos que alguém insista em colocá-la no ambiente das planilhas.

As alegações para os cortes do orçamento – que o MEC já disse que pode se estender a todas as universidades federais – passam pelo famigerado viés ideológico. Ora, não há como não ter viés ideológico na vida, certo? Combater uma manifestação orientada por valores da esquerda não significa neutralidade, mas uma outra manifestação, de viés ideológico contrário. Não é equilíbrio ou algo assim: é o governo assumindo uma posição … ideológica.

Durante estes dez anos de UFF, não vi os próprios presidentes petistas terem vida fácil. Apoiados em muitos momentos, também foram atacados em muitos outros, justamente por alunos dos cursos de Ciências Humanas, com posicionamento ideológico à esquerda. E o que eles fizeram? Nada. Porque manifestação de pensamento é algo que precisa ser respeitado, sob o risco de colocarmos em dúvida a própria viabilidade do estado democrático em nosso país.

Cortar verba de universidade federal por se manifestar contra um governo que não tem qualquer compromisso com as instâncias públicas – seja de ensino, saúde, moradia, ou qualquer outra – é, acima de tudo, coerência. É combater um inimigo que, quando não consegue se impor pelo diálogo ou pelo convencimento, apela para o uso da força, seja ela física, seja ela procedimental.

Este texto é um depoimento para que o máximo de pessoas possam saber o quão prazeroso e sensacional é estudar numa universidade federal. A gente se torna dono delas, porque elas se oferecem pra nós, é a sua natureza. Elas não podem sofrer esse ataque, de gente que fala o que não sabe sobre elas. As universidades federais estão ali, de portões abertos para todos nós. Há eventos, palestras, espaço, tudo que pode ser usufruido até por quem não é seu aluno. Elas são PÚBLICAS. São nossas. Precisamos defendê-las de todo o mal.

Sempre.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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