Duo inglês Jungle lança um dos grandes álbuns do ano
Jungle – Volcano
44′, 14 faixas
(Caiola)
Ouvir “Volcano”, o novíssimo álbum do duo inglês Jungle é, acima de tudo, ter noção exata de onde e quando estamos. No caso, pleno 2023, tempo correndo pelas mãos, ouvindo o que teriam sido funk e soul music se surgissem agora. Sim, é um paradoxo histórico e ele só deve interessar aos mais velhuscos – eu, por exemplo – eventualmente interessados no que fazem Josh Lloyd-Watson e Tom McFarland, uma vez que, certamente, os mais jovens serão pegos pela cintura e compelidos a sacudir o corpo, seja numa pista de dança, seja no churrasco do quintal, seja no ônibus a caminho do trabalho numa manhã que precisa ser destravada por algo irresistivelmente dinâmico. E falar deste álbum é abraçar a ideia do movimento, da modernidade, da inteligência ao fazer música e propor esses momentos de confusão entre o ontem e o hoje quase amanhã via sons conhecidos que estamos ouvindo pela primeira vez. Se há essa ideia de uma montanha russa sonora-temporal, “Volcano” também em um feixe quase irrepreensível de composições sensacionais, participações luxuosas, enfim, é uma festa.
A primeira vez que ouvi algo do Jungle foi quando me deparei com a majestade absoluta que é “Casio”, faixa de seu primeiro álbum, “For Ever”, de 2018. Sua estrutura já mostrava esse desejo do duo em flertar com o funk/soul de outros tempos, – aqui, neste caso, com sua versão oitentista, via Michael Jackson – e trazê-lo para o presente e, a partir daí, inserir toques e estruturas totalmente pessoais, que mostram o quanto Josh e Tom têm repertório e noção. Ainda que seja absolutamente sensacional, “Casio” parece “antiga” se comparada com as lindezas sonoras que habitam “Volcano”, concebido e lançado apenas cinco anos após a estreia. Isso mostra que o Jungle abriu espaço para uma perspectiva caleidoscópica semelhante à que move outro grande nome desse setor revisitador sonoro do presente, o grupo australiano The Avalanches. Além dele, é possível notar alguns toques de Daft Punk em sua mutação disco de 2013 e, sobretudo, uma simetria com o misterioso Sault, coletividade oculta britância que lança discos magistrais que misturam tudo: de pop clássico a soul, de música orquestral a funk, sem mostrar a cara (para mais detalhes, leiam aqui).
Falando assim, parece que Jungle é só um (ótimo) conceito. Longe disso. É música de verdade, que respira e faz sorrir. “Volcano” está cheio de canções perfeitinhas e prontas para o amor total. Josh e Tom entenderam que não precisam cantar (algo que eles faziam no início e pareciam desconfortáveis) para dar forma e conteúdo às canções que escrevem. Por isso temos uma profusão de colaboradores que emprestam diferentes registros vocais para essas faixas soarem distintas entre si, mas totalmente amarradas nesta pegada sonora. Tem gente novíssima como o rapper sudanês Bas e veterana (e venerável) como o sensacional Roots Manuva e todo mundo joga a favor do resultado final, totalmente inserida no clima de cada canção. Fica difícil destacar essa ou aquela faixa, mas a gente vai começar pelo baticum eletrônico dinâmico de “Holding On”, que tem vocais de apoio que mais parecem da Minnie Ripperton em “Lovin’ You”, inseridos numa centrífuga sonora. “I’ve Been In Love”, que tem participação do rapper Channel Tres, é puro funk dos anos 1970 em forma de desintoxicação do sofrimento cotidiano, com uma linha de baixo adorável e mais vocais de apoio sensacionais.
“Back On 74” meio que entrega a ideia de subversão temporal que o Jungle propõe. Aqui o funkão setentista é entregue numa levada dançante que mistura “Hey Ya”, do Outkast com um approach eletroacústico surpreendente. Em “You Ain’t No Celebrity”, tonalidades hip-hopescas e afro desaguam numa levada surpreendente e inclassificável, que abre espaço – e muda de andamento – para a fala de Roots Manuva, num efeito maravilhoso. “Don’t Play”, que tem a participação de Mood Talk, é, praticamente, uma faixa do The Avalanches, que poderia estar em seu segundo disco, “Wildflower”, de 2016. Os vocais trabalhados dão um clima de sonho ao andamento pós-disco pianístico, submerso numa piscina de água na qual a gente mergulha numa tarde de verão. O baixão de “Good At Breaking Hearts” é uma pós-balada soul da virada dos anos 1960/70 totalmente imersa numa dinâmica diferente e adorável e, por fim, “Palm Trees” tem uma levada psicodélica que deságua num groove dançante e meio mágico, turbinado por samples, vocais filtrados e, novamente, uma linha de baixo matadora.
“Volcano” é um disco que incita a viagem, a desconexão com a realidade, nem que seja por alguns poucos e necessários minutos. É um bálsamo sonoro, coisa linda. Sem dúvida, um dos melhores álbuns de 2023, fácil. Ouça e ame, você não tem como evitar.
Ouça primeiro: o disco todo.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Jungle, na realidade, tem uma caminhada um pouco mais longa. O album de estreia foi “Jungle”, de 2014, que teve músicas como ‘Busy Earnin’’ e ‘Time’. O album “For Ever”, de 2018, foi o segundo trabalho dos caras. De qualquer maneira, os caras são bons demais, tanto ao vivo quanto no estúdio.