“Dora Sem Véu” – Um livro pra conhecer e respeitar o Brasil

 

 

 

2019 foi para mim um ano de redescobrir o Brasil por meio da literatura. Me recusei a engrossar o coro dos que desvalorizam a nossa cultura: da minha parte houve um segurar as mãos de autores já meus conhecidos e outros que me surgiram deixando uma sensação de “como eu nunca te li antes?”.

 

Nessa segunda categoria coloco Ronaldo Correia de Brito, médico e escritor cearense, autor do romance “Galileia” e do espetáculo natalino “Baile do Menino Deus”, encenado em Recife desde 1982, que participou de uma mesa literária na minha cidade com Maria Valéria Rezende ( uma das minhas autoras favoritas), nos deixou encantados com suas narrativas sobre seu passado e presente e apresentou seu mais recente livro “Dora sem véu”, finalista do premio São Paulo de Literatura desse ano.

 

A obra conta a história de Francisca, socióloga e estudiosa da literatura de cordel que recebe do pai Jonas a missão de encontrar sua avó Dora e seus irmãos menores, que ele abandonou quando menino, ao partir do sertão em busca de uma vida melhor. Durante sua busca, que se inicia em um caminhão cheio de romeiros em direção a Juazeiro do Norte, Francisca conhece Daiane, uma jovem que depois de passar por um aborto precisa pagar uma promessa feita pela mãe Maria do Carmo e Wires, rapaz bonito, jovem e confiante no pagamento da promessa feita para agradecer pela sua recuperação depois de um grave acidente de moto.

 

Na viagem que teve como ponto de partida a perda da sua avó pelo pai Francisca encontra um povo cheio de fé diante da pobreza, a verdade sobre seu marido e os companheiros que partiram com ele anos antes numa missão humanitária em benefício das populações ribeirinhas da Amazônia, a atração e o envolvimento com Wires e a cara sem disfarces da corrupção, do machismo, da violência contra a mulher, da impunidade, da exploração do trabalho e do sistema de saúde falido.

 

Ronaldo costura esses temas tão familiares ao nosso país sem dar a eles um jeito de panfleto vazio. “Dora sem véu” é um livro bem acabado nas entrelinhas: na sua sutileza sentimos a presença do princípio do pecado original, da herança das consequências dos erros familiares e dos nossos próprios: Francisca sente-se no dever de aliviar a culpa do pai  e a mãe de Daiane pune a si mesma e a filha pela criança que a menina não quis ter.

 

Comprei “Dora sem véu” por causa da minha história familiar (minha avó materna desapareceu quando minha mãe era criança) e, tal como Francisca, conheci um Brasil além da minha vivência, de pessoas cujas trajetórias são esquecidas, interrompidas por um Estado que não olha por elas, mas que ainda assim precisam sobreviver.

 

“Em qualquer geografia as mulheres são as mais vulneráveis. No porto de Fortaleza ou no Acre, Dora é a mesma mulher abandonada com sua inquietude e seus filhos. A lembrança fere meu coração. Sei que há muitas Doras pelo mundo”

 

Me descubro cada vez mais respeitosa com a literatura do meu país e seus autores que sabem que escrever é preciso não importa a feiura do nosso tempo. Gente que resiste e nos ensina, assim como Ronaldo, de quem não largo os livros e a mão nunca mais.

 

Mas e Dora, terá sido ela descoberta por Francisca?

 

Vocês só saberão lendo esse livro, que é pura riqueza brasileira.

 

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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