Dissecando a trilha sonora de “Um Completo Desconhecido”

 

 

 

 

Trilha Sonora Original – A Complete Unknown
59′, 23 faixas
(Sony)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

 

O primeiro teaser de “Um Completo Desconhecido” pousou no YouTube há cerca de seis meses. Seu início é avassalador. Nele, Pete Seeger (gigante da folk music ilustrada americana, vivido aqui por Edward Norton) está num palco e conta a seguinte história para um pequeno público: – Há algumas semanas, meu amigo Woody Guthrie e eu conhecemos um jovem. Ele apareceu do nada e cantou uma canção para nós. Naquele momento tivemos a sensação de estávamos tendo um vislumbre do futuro”. Daí surge a figura de Timothée Chalamet e a interpretação dele para “A Hard Rain Is Gonna Fall”, que vai crescendo até o fim do teaser. Confesso que, ao ver isso pela primeira vez, muito por conta da fala de Seeger/Norton, me emocionei. Porque, sim, foi exatamente o que o surgimento de Bob Dylan na música americana significou: um avanço para o futuro, a mudança lírica e estética que era absolutamente necessária, a ideia de um conteúdo que comunicasse as mazelas do mundo, fosse do plano público, fosse do plano privado, em simultaneidade com os tempos vividos. Ou seja, Dylan foi o cara que conseguiu transmitir via música e letra a realidade, com ou sem metáforas e demais recursos artísticos. Ele foi o cara, ele foi o primeiro e ele será sempre lembrado por ter feito isso. E tudo começou quando ele tinha míseros 19 anos, chegando a Nova York, em janeiro de 1961. É desse momento que o filme de James Mangold fala. E sua trilha sonora é o acompanhante ideal para isso.

 

“A Complete Unknown”, título em inglês, verso retirado da letra de “Like A Rolling Stone”, estreou nos Estados Unidos no dia de Natal. Aqui no Brasil ele só chegará às telonas no dia 27 de fevereiro de 2025, alguns dias antes da premiação do Oscar, que será no domingo, 02 de março. O longa está concorrendo a oito estatuetas, incluindo aí Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Edward Norton), Melhor Ator (Timothée Chalamet), Melhor Atriz Coadjuvante (Monica Barbaro), Melhor Figurino, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som. A ação transcorre ao longo dos primeiros anos de Dylan na cena folk de Nova York, precisamente entre 1961 e 1965, cobrindo seis álbuns de sua carreira, que mostram a mutação que seu som sofreu durante este período, passando folk acústico para canções mais elaboradas e misteriosas, igualmente poderosas, que o levaram a incorporar elementos elétricos em seus arranjos. Tal fato, materializado no lado-A de seu disco “Bring It All Back Home”, de 1965, custou-lhe o prestígio que tinha junto aos admiradores mais ardorosos e defensores de uma pureza acústica no folk e o colocou no mapa da música mundial, abraçando a guitarra elétrica. Em um show na Inglaterra desse período, Dylan foi chamado de “Judas” por alguém na plateia, como se ele fosse um traidor dessa pureza. O fato é que, como Seeger menciona na abertura do teaser do filme, Dylan estava levando o estilo para o futuro, ou melhor, para o presente que já passava rápido. Tal movimento, repito, o colocou na história para sempre.

 

Em “Um Conpleto Desconhecido”, o diretor Mangold (que já assinou ótimos filmes como “Ford vs Ferrari”, “Logan”, “Copland”, “Garota Interrompida” e a biografia de Johnny Cash, “Johnny & June”, opta por colocar o elenco para cantar as obras de Dylan e de seus companheiros de cena, Joan Baez, o próprio Seeger e contemporâneos, como o próprio Johnny Cash. Sendo assim, tudo o que se ouve no filme e na trilha foi tocado, cantado e feito durante as filmagens, com os atores fazendo cursos intensivos de violão e canto para conseguirem atingir níveis críveis diante da demanda imposta. Monica Barbaro canta clássicos como “Silver Dagger”, do primeiro álbum de Baez, “Joan Baez” (1960) e dueta com Chalamet em “It Ain’t Me, Babe”, um dos grandes sucessos de “Another Side Of Bob Dylan”, de 1964 e em “Don’t Think Twice, It’s All Right”, hit de “Freewheelin Bob Dylan”, de 1963. As canções de Cash, “Folsom Prison Blues” e “Big River” são defendidas por seu intérprete, Boyd Holbrook, mas, claro, é sobre Chalamet que a maior responsabilidade recai. Este movimento de Mangold repete o que ele pediu a Joaquim Phoenix e Reese Witherspoon em “Johnny & June”, que também acumularam a função de intérpretes das canções do casal, com um bom resultado.

 

Ouvindo a trilha de “Um Completo Desconhecido”, percebemos logo a alta qualidade das interpretações de Chalamet. Com um registro vocal parecido, tecnicamente estudado mas nunca optando pela imitação, ele consegue bons resultados em canções particularmente fortes e difíceis. Sua “A Hard Rain Is Gonna Fall” é particularmente boa, assim como a poderosíssima “The Times They Are-A Changin'”, faixa-título do terceiro álbum de Dylan, de 1963. E a tal mutação da obra de Dylan é documentada com igual precisão, ainda que, neste caso, as performances seja um pouco menos interessantes, caso de “Subterranean Homesick Blues” e a colossal “Like A Rolling Stone”, que marca esta mudança que incorporava novos instrumentos e uma narrativa dramática que era absolutamente única em seu tempo. Chalamet, ainda que esforçado, fica um pouco aquém, mas a ideia aqui não é a reprodução de originais, mas reinterpretar essas canções, todas com cerca de sessenta anos, mas ainda capazes de comunicar tanto. Em outros tempos, eu acharia uma escolha péssima, mas entendo que trazer um artista tão jovem e talentoso como Chalamet para este universo serve como uma reapresentação dessas obras a um público potencialmente novo e curioso, que pode levar adiante todo este conhecimento.

 

Enquanto isso, seguimos aguardando ansiosamente a estreia do longa nos cinemas, especialmente depois que o próprio Dylan aprovou a escolha de Chalamet para interpretá-lo quando jovem e se mostrou muito simpático à realização. Belezura.

 

 

Ouça primeiro: “Wimoweh”, “Girl From the North Country”, “A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, “The Times They Are a-Changin’”, “It Ain’t Me, Babe”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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