Os 35 Anos de Seu Espião

O que entendemos por rock brasileiro dos anos 1980 não passa, necessariamente, por discos de rock, na acepção da palavra. É muito mais uma época, um movimento, em que houve uma grande safra de ótimo pop/rock, bem informado, bem feito, razoavelmente produzido – algo que foi melhorando ao longo da década – e que gerou uma série de boas obras, bastante representativas daquele período. Assim como todas as marcações históricas, a década de 1980 não tem dez anos e nem começou em 1980. Em termos de rock nacional, não há como escapar: aquela nova fornada de bandas, canções e curtições começou em 1982 e talvez tenha terminado em 1989, vá saber. E sua trilha sonora inicial foi “As Aventuras da Blitz”, lançada naquele ano. É neste contexto é que vamos olhar para um dos mais simpáticos trabalhos produzidos por essas bandas: “Seu Espião”, estreia do Kid Abelha E Os Abóboras Selvagens, lançado em 1984 e que está completando 35 anos.

Kid Abelha era uma das várias formações surgidas no Rio de Janeiro daquele tempo. Com Paula Toller nos vocais, Leoni no baixo e vocais, Geroge Israel no saxofone e Bruno Fortunato na guitarra, a banda perdeu seu baterista inicial – Beni Borja – logo após gravar seu primeiro compacto, “Pintura Íntima”, em 1983. Quem estava vivo naquele tempo sabe que esta canção, junto com “Menina Veneno”, de Ritchie, tocava em praticamente toda parte. As estações de rádio as executavam várias vezes ao dia, suas letras eram decoradas e cantadas por todo mundo. Não que não fosse merecido, era um chiclete pop de primeira categoria. Aliás, se há algo que caracteriza o Kid Abelha dessa época é a afeição pelo pop perfeito, com um pouco de sessentismo jovemguardista implícito e muita informação da new wave anglo-americana praticada na época. Da pra dizer que havia uma razoável semelhança entre o quarteto e a Blitz.

O motivo da ascensão do Kid naquele tempo foi a corrida que as gravadoras empreenderam em busca da “nova Blitz”. Paula, Leoni, George e Bruno foram a aposta da Warner Music, que havia perdido Os Paralamas do Sucesso para a EMI – que também detinha o passe da Blitz – e que logo traria a Legião Urbana. Com a chancela da Warner, a presença do produtor Liminha e um bom orçamento, “Seu Espião” foi encomendado e executado com o proverbial “céu de brigadeiro”.

Leoni conta que “estava na Disneylândia” durante as gravações.

“O Liminha era um produtor atento e que me ouvia. Naquela época eu era muito estudioso e gostava muito de estúdio. Meus palpites sempre eram considerados e eu adorava ficar com ele na mesa de produção”.

Gravado num estúdio do Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, o disco chegou como uma bomba nas paradas radiofônicas daquele início de 1984. Com as credenciais apresentadas por “Pintura Íntima”, o Kid forneceu grande parte do repertório pop daquele verão. Vieram hits em sequência, como “Nada Tanto Assim”, “Alice”, “Seu Espião”, “Fixação”, “Porque Não Eu” e a balada matadora “Como Eu Quero”, que trazia a admiração da banda por “Save A Prayer”, sucesso dourado do grupo inglês Duran Duran. Todas elas, mais a onipresente “Pintura Íntima”, que ainda ressoava nas programações das rádio, compuseram as credenciais do álbum, que ultrapassou rapidamente a marca das 100 mil cópias vendidas e colocou a banda como uma das grandes do cenário nacional, tornando-a uma das pretendentes a participar do Rock In Rio, no verão seguinte.

“Seu Espião” marca como poucos discos aquela época. Era o tempo das bandas se apresentando no Circo Voador, emplacando fitas-demo na programação da Rádio Fluminense FM, participando do programa do Chacrinha e fazendo vários shows em clubes do subúrbio carioca/fluminense integrando a caravana do Velho Guerreiro. O Kid lançaria o segundo disco, “Educação Sentimental”, em maio de 1985, que ampliaria seu rock ensolarado, conferindo contornos líricos muito mais profundos, cortesia de um artesão pop, Leoni, que sairia da banda para formar Os Heróis da Resistência.

“Seu Espião” tem lugar garantido na galeria de grandes discos do rock nacional dos anos 1980. Hoje é um trintão descolado e cheio de histórias para contar.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Os 35 Anos de Seu Espião

  • 3 de outubro de 2020 em 00:46
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    Concordo que o mundo acabou no início dos anos 90.

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  • 26 de fevereiro de 2019 em 10:12
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    Joia!
    Mas a produção era fraquinha, sem pressão, sem distorção e aquele som de caixa. Emulavam o som do Police em tudo, porque não chupavam o som da caixa do Copeland, meu Pai?

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