Colunista Convidado – Leonardo Salomão

Dia desses recebo uma mensagem do Boss, vulgo CEL, vulgo Carlão e todas as outras variações para vocês, meu amigo-irmão desde 1993 quando entramos juntos na Faculdade de Comunicação Social da UERJ.

Ele pergunta se eu “tô aqui” e eu respondo que “tô mais aqui que aí”.

Nossos papos sempre foram assim, meio surreais, escalafobéticos. Um misto de conversação tipo Caetano-Gil-Gerald Thomas-TomZé. Nessa onda. Acho que por isso também nossa
identificação foi imediata e a amizade construída.

Ele me fala do Célula Pop, seu blog-site-mundo que terá música, cinema, séries, Netflix, política, futebol, culinária de guerrilha e tudo aquilo que gostamos de ler porque os
seus textos são sempre afiados, certeiros e impávidos que nem Muhammad Ali, virá que eu vi.

Fico realmente muito feliz com a notícia, porque sei o quanto o Célula Pop representa para ele. O quanto ele ama escrever e ser lido, obviamente. E poucos tem essa
propriedade. Fiquei mais feliz ainda porque isso é a melhor das terapias que ele precisa.

Aí do nada, ele manda o convite: “quero que você faça o texto de estreia do Célula Pop”. O primeirão, o escolhido, o número zero. É como batizar um filho. E a felicidade do nascimento do rebento emocionou o coração deste magrinho árabe-paraíba. Que responsa!

Aceitei, claro. Não se pode dizer não pro Boss. Amigo não diz “vou ver e te falo depois” ou “maneiro, vamos marcar sim qualquer dia desses”. Quem tá junto, tá junto. É uma honra
meu brother, tamos aí.

Só que, claro, o cara aqui tá com hora faltando no dia. Escritório de produção, lançamento de disco na agulha, venda de shows, agenda da Fundição, bebê de 4 meses em
casa, acabou o Nan, não esquece de trazer abobrinha pro jantar, chegou a conta da NET?, entre outros parangolés e pulos de quem é da graxa.

Furo no prazo, era óbvio que isso ia acontecer caralha! E pior: não faço a menor ideia sobre o quê escrever.

“Escreve sobre o que você quiser”, ele ainda manda essa para facilitar as coisas, só que não. Eu viajo nas filosofias e penso em escrever sobre perdas e ganhos, sobre o que passei nos últimos anos com a perda de um emprego que eu me identificava, com a perda do meu pai, com a descoberta de um tumor no meu rim direito, com a retirada desse rim, foda-se o rim, vivo bem com um só…..e com a chegada do Tomás, meu primeiro filho. Perdas e ganhos. E ia então fazer um paralelo sobre quem nós perdemos na música, no cinema, nas artes em geral…..me lembrei do Melodia e rascunhei o texto todo ouvindo o “Zerima ao vivo”, disco póstumo dele. A cada frase, uma engolida seca, um aperto, uma angústia, claustrofóbico.

O texto não evoluiu. É muito sofrimento iniciar assim. O Célula Pop não merece isso na sua estreia.

“Boss, tá foda, não sei sobre o que escrever”.

“Ah, sei lá, escreve aí sobre o seu trabalho de produtor, sobre sua experiência no Canecão, no Sesc Rio e agora na Fundição Progresso”.

“Beleza. Molezinha”

Rascunho então um novo texto fazendo um apanhado dos meus quase 20 anos de produção, do que vi, vim e quase venci, da paixão de lidar com música que sempre busquei – ou como
jornalista musical tipo um Dapieve, um Tom Leão, um Calbuque da vida, ou um cara atuante de gravadora.

Segui outros rumos, mas ainda assim vivendo de produção musical, de gestão de equipamento cultural, entre outras mumunhas.

Achei o texto um saco. Não queria falar de mim, não queria abrir currículo. Estava parecendo texto de Linkedin, sem os termos americanizados escrotos.

Hoje deu um estalo. É preciso falar sobre amizade. Sobre como precisamos cuidar uns dos outros, como precisamos ficar juntos e nos defender dos ataques que já estão acontecendo
nas ruas, nos grupos de whatsapp, nas redes sociais, nos nossos trabalhos, nas nossas famílias, no nosso bairro, nossa cidade, nosso país.

É preciso manter a guarda e também a serenidade, a paz de espírito, o corpo são. Porque só estando junto, sobreviveremos ao holocausto que se avizinha. E olha que eu nem sou o
velho barbudo com a placa “o fim do mundo está próximo” ali na esquina.

É preciso dizer: Boss, meu amigo, tô aqui para o que você precisar. É um texto que você precisa? Tá aqui. Marromeno, mas tá aqui. Eu tô aqui, eu tô vivo. Estamos vivos.
Façamos.

Façamos tudo o de melhor para nós e para os nossos. A fé não costuma faiá. Nem o Melô.

O por do sol vai renovar brilhar de novo o seu sorriso

E libertar da areia preta e do arco-íris cor de sangue, cor de sangue, cor de sangue …

O beijo meu vem com melado decorado cor de rosa

O sonho seu vem dos lugares mais distantes terras dos gigantes
Super Homem, super mosca, Super Carioca, super eu, super eu …

Deixa tudo em forma é melhor não sei

Não tem mais perigo digo já não sei

Ela está comigo o som e o sol não sei

O sol não advinha baby é magrelinha

O sol não adivinha baby é magrelinha

No coração do Brasil

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Vida longa Célula Pop. Já sou teu fã.

 

Leonardo Salomão

Leonardo Salomão é jornalista, produtor, gestor cultural e curador. Trabalha com projetos culturais há mais de 20 anos. Foi o produtor executivo das casas de espetáculo Olimpo e Canecão, criador e gestor de projetos musicais no Sesc Rio, coordenador do Teatro Sesc Ginástico e analista de programação da Fundição Progresso. Hoje, na Luz Produções, além de pensar e criar projetos na área musical, coparticipa como booking dos artistas Elza Soares e Flávio Renegado. Faz coisas que não sabe explicar, como ter 17 discos do Fito Páez em sua coleção. É também vascaíno, salgueirense e pai do Tomás.

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