Carabobina – Carabobina

 

 

 

Gênero: Psicodelia, lo-fi

Duração: 27 min
Faixas: 9
Produção: Carabobina
Gravadora: Overseas Artists Recordings

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Quando em entrevista algum dos “boogarins”comentou sobre o projeto de Raphael Vaz (contrabaixo da Booga) e sua companheira Alejandra Luciani já fiquei ansiosa pra saber o que dali sairia. E saiu coisa boa, sim. O nome Carabobina é uma homenagem a Alejandra, nascida no estado de Carabobo, na Venezuela e dá certo. Com um tom lúdico, com batidas em loops que dão a sensação de passeio futurista, a coisa funciona que é uma beleza. As nove faixas foram gravadas em casa, e somam quase 30 minutos de letras espontâneas que flutuam entre camadas de sintetizadores e guitarra orgânica. É mais ou menos uma versão brasileiríssima e personalíssima da Melody’s Echo Chamber.

 

“Pra Variar” abre o disco em tom futurista, uma brincadeira de palavras e rimas que têm os mais diversos sentidos e grudam seriamente no cérebro.

Tensão pede variação
Variação
Não vai se afogar
Pressão para respiração
Eu achei que era tudo isso
Nada, nada

É tudo muito espontâneo e detalhado ao mesmo tempo. Experimentos e sonoridades sintéticas, letras em português e espanhol que dão origem a um belo pop noise que encontramos em Carabobina. “Baja Del Altar” se insinua um pouco por tonalidades lo-fi e mostra Alejandra, que é engenheira de som, explorando a suavidade da sua voz e idioma. O lúdico das sobreposições dos elementos sonoros é incrivelmente bem feito. A graça desse laboratório é justamente poder jogar o vocal em primeiro plano e depois enterrar lá no fundo, deixar sufocar. Depois de ouvir “Inocência”, da Boogarins, fiquei com mais vontade de ouvir Raphael cantando. E a terceira faixa, “Deixa de Rodear”,  traz Rapha explorando toda a delicadeza onírica de sua voz. É uma faixa introspectiva e reflexiva

Madrugada
Qual de nós tinha razão
Quando desmontava a festa
Da última ilusão
Satisfação
Deixar de rodear
De olhar
Daqui de cima
Deixar de rodear

 

É aquela coisa que nos rodeia, o tal do “ter razão’. E quem aí nunca insistiu em cravar o lápis na palma da mão só pra mostrar que dali sairia sangue? É a cruel necessidade de ter razão, a face soberba de nossas personalidades. E o dueto, já esperado mas não óbvio, acontece e Alejandra e Fefel dividem as frases. “Em Dezembro” traz a sonoridade de chorus, limpa, que se torna um convite para explorar as nuvens e suas formas diversas. A quarta música é um mix de pop e lo-fi empolgante com letra cantante. O casal explora muitas sonoridades em uma produção criativa e que flutua.

Tudo que eu não vivi
Lembro de escapar
Dessa vontade

 

Em Carabobina a voz é tratada como um instrumento que vai instigando as experiências que a música possibilita. “De Nuevo” vem com toda a psicodelia mais soturna, traz consigo uma complexidade de elementos, distorções e jogos de vozes. Tem peso, suavidade e equilíbrio. É uma mistura muito bem feita de tudo que vem sendo feito na cena psicodélica.

Mas se puder flutuar
Fora daqui
Sempre mais
Junto de mim
Tudo ficou bem pra traz

 

“Better Off” vem como uma junção de fragmentos musicais em uma faixa com texturas experimentais. O casal consegue atingir o equilíbrio entre jogos de palavras, questões existencialistas em um grande passeio pelas possibilidades musicais. Fefel volta aos vocais em “Viaduto”, carregada de elementos eletrônicos e com pedaços poéticos sombrios.

Te senti tão forte
Eu, só um resquício
Deitado na marcha
E corrente pra dentro do vício
Mas isso é achar que você de um lugar
Muito mais que distante
E isso é
Vai me levar  e trancar
De fora do hospício

 

“Tiriru” já vem com o brilho de cordas embaladas pelos sussurros de Alejandra. É uma experimentação que transita entre o instrumental e a instrumentalização da voz da venezuelana. Faixa instrumental que prepara o território para Mariposas. A última faixa do trabalho tem nos detalhes a beleza noturna das mariposas, que no imaginário popular são insetos sombrios que simbolicamente estão ligadas ao plano espiritual. A morte que transforma. É música reflexiva  e hipnotizante.

 

Alejandra e Fefel entregam um trabalho coeso do início ao fim, uma grande enlace entre a psicodelia e questões existenciais, que giram entre si nessa grande roda-gigante que é a realidade.

Ouça primeiro: “Pra Variar” e “Em Dezembro”

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

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