Bon Iver – i,i
Gênero: Rock alternativo
Faixas: 13
Duração: 39 min
Produção: Justin Vernon
Gravadora: Jagjaguwar
A primeira impressão que temos deste “i,i” é de estarmos diante de um disco de rascunhos. As faixas são curtas, enigmáticas, saturadas de efeitos eletrônicos na voz – marca registrada de Justin Vernon aka Bon Iver – e tudo parece precisar de finalização adequada, acabamento, uma última demão de tinta. Mas não. O que ouvimos é o resultado já pronto e, quando nos damos conta de que as canções são assim mesmo e, para tal, mudamos nossa percepção, a magia acontecer. “i,i”, com suas faixas cheias de blips e blops melódicos, chiados, timbres subaquáticos e tal, é uma porta aberta para um mundo diferente. E vale entrar.
Vernon surgiu há onze anos, lançando seu tristonho e ótimo “For Emma, Long Time Ago”. Com este álbum, ele forjou sua marca musical, um folk indie e carregado de eletrônica, especialmente nas harmonias vocais. A princípio, esta presença sintética era mais moderada, mas foi aumentando de intensidade ao longo do tempo, culminando com este novo trabalho. Houve um efeito colateral, também com o passar dos anos: a música de Vernon foi entendida como algo intensamente emocional, sofrido, isolado e dotado de poder que transcendia o âmbito do indie/hipster. Não à toa, ele produziu disco de gente como Blind Boys Of Alabama e Swamp Dogg, veteranos artistas de … soul music.
Agora, novamente às voltas com seus próprios domínios, ele vem com faixas batizadas de “Yi”, “Hey, Ma”, “U”, “Faith”, “Marion”, aumentando mais ainda o enigma e a sensação de estranheza aparente. Repito: é um mundo novo e convidativo, que carece de entendimento para ser apreciado. É como se Justin conseguisse extrair algum afeto/sentimento de timbres gelados e neutralizadores. Não é novidade, outros artistas já conseguiram resultados importantes com música eletrônica ao longo do tempo, mas nunca tentaram adentrar terrenos “orgânicos” como forma de obter seu êxito. O que Bon Iver faz aqui é uma espécie de “Ex-Machina”, de “A.I” em forma de música. É coisa séria e muito, muito rara.
Sendo assim, entrando na onda de Vernon, temos belezas geladas, sob a chuva, num dia totalmente cinzento, caso de “Hey Ma”, que parece ambient music num planeta recém-descoberto. “Naeem” tem um piano gospel de introdução e vozes indistintas, que vão se assentando e organizando num coro improvável, que vem envolvendo o ouvinte sem que se perceba. “Salem” é outra dessas paisagens gélidas, mas que oferece campos visuais que vão derretendo à medida que o sol vem surgindo, junto com a voz de Vernon. E “U (Man Like) é outra composição com pianos grandiosos e vozes espirituais. “Sh’Diah” é cheia de falsetes e efeitos, um amanhecer na Serra sob o céu de inverno. É estranho, mas é quase grande arte.
Bon Iver chega ao quarto disco com sua marca musical intacta e ampliada, com distinção e personalidade suficientes para ir além. O fato é que Vernon e seus amigos parecem ter ido longe, mas nunca longe demais. Belo disco.
Ouça primeiro: “Sh’Diah”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.