Bloco pra Iaiá: a arte e o desafio de levar Los Hermanos pra passear na folia

 

 

Unir pontas, porque o resto já estava ali. E pagar pra ver se ia rolar.

 

E rolou: por simpatia dos deuses da folia, do rock e pelos talentos reunidos, o Bloco pra Iaiá garantiu seu espaço na cena carioca de blocos e toca  dia 25 de fevereiro, na festa Auê, no HUB RJ, na companhia do bloco Amigos da Onça e de Julio Secchin.

 

Criado por fãs e pelo naipe de metais dos Los Hermanos, o Bloco pra Iaiá surgiu de uma reunião de amigos saudosos da banda com um desejo em comum: reviver as famosas músicas do grupo carioca e transportá-las para o universo do Carnaval. O nome é uma referência à música Retrato pra Iaiá, de Rodrigo Amarante, presente no segundo álbum da banda, o Bloco do Eu Sozinho, lançando em 2001.

 

“Eu e meu irmão, Rafael Ferraz, sempre curtimos muito o Carnaval. Desde criança gostávamos de ir aos bailes e blocos. Mais velhos, começamos a participar de algumas oficinas de percussão de blocos, como a do Picada de Primeira e a do Sargento Pimenta. Em paralelo, sempre amamos Los Hermanos. Somos daqueles que iam a todos os shows e tinham todos os CDs. Um dia percebemos pontos em comum entre os Hermanos e o Carnaval. As capas do primeiro e segundo álbuns, as temáticas nas músicas, as figuras do pierrot, da colombina e do arlequim… Juntamos tudo e criamos o Bloco pra Iaiá em 2013, e hoje somos 21 participantes”, explica Rodrigo Ferraz, fundador do bloco com seu irmão.

 

Para incrementar o projeto contaram com o trompetista Bubu Silva e com o trombonista Pimenta, ambos ex-integrantes dos Los Hermanos, que imprimiram originalidade aos arranjos e mantiveram a tradição do som da banda. O objetivo da trupe era e é homenagear os barbudos cariocas, sem descaracterização da beleza e da personalidade das músicas dos caras. “Exatamente nesse contexto que o bloco surgiu. Pegamos toda a linguagem carnavalesca que existe na obra da banda. Só juntamos os dois universos”, aponta Rodrigo. Ou seja, unir pontas e pagar pra ver se ia rolar.

 

Os cantores do Iaiá – Gabriela Pasche, Alexandre Tanaka e Pedro Buarque – se revezam nos vocais para dar uma nova identidade musical às canções. As já conhecidas Sentimental e Um par ganharam voz feminina e são sempre elogiadas nas apresentações. Também estão no repertório Além do que se vê, Todo carnaval tem seu fim, Tenha dó e Pierrot. Para cada nova música, um novo arranjo: a canção A Flor recebeu uma versão funk, a poética O velho e o moço ganhou ritmo em marchinha de carnaval e a famosa O vencedor está em ciranda e maracatu.

 

Para Rafael Ferraz, a obra do Los Hermanos oferece inúmeras oportunidades musicais. “Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante são grandes letristas, e a banda criou uma sonoridade única, que influenciou uma geração de novos artistas. Pegamos isso e aplicamos em ritmos como samba, marchinha, frevo, maculelê, xote e quadrilha. Usamos os surdos de primeira, segunda e terceira, caixas, repique, timbal, tamborim, ganzá, xequerê, guitarras, baixo e metais”, detalha.

 

No início, o Iaiá tinha receio de que os fãs dos Los Hermanos pudessem estranhar o formato ou que torcessem o nariz para vozes não conhecidas cantando aquele repertório. “Sabíamos o quanto o público é fanático pela banda, e que esperavam de nós apresentações à altura do apreço deles pelo repertório”, diz Pedro Buarque, um dos cantores. “Existe uma relação emocional grande entre o público e as músicas. Respeitamos e entendemos isso, tivemos um cuidado especial com os arranjos”, complementa Rodrigo.

 

As preocupações se dissiparam quando, logo no show de estreia, lotaram a Casa Rosa, no bairro de Laranjeiras, no Rio. “Na verdade batemos o recorde histórico de público, com a fila se estendendo por toda a Rua Alice. Ali percebemos que eles estavam tão dispostos quanto nós, e assim tem sido em todas as apresentações, sem exceção”, comemora o cantor e guitarrista da trupe. “Em cada show que fazemos o público canta como se fosse um show da banda. Eles se emocionam e nos emocionam. Gritam, suam, choram. Sim, muitos choram. Vi muitas vezes essa cena na beira do palco… É uma troca de energia intensa e, por alguns minutos, nós somos os porta-vozes do sonho deles. Esse é o momento mágico, o momento de fantasia a que o bloco se propõe”, afirma Pedro, que encarna o arlequim no bloco.

 

Assim como na música, o Bloco pra Iaiá tem um processo de construção do conceito visual. E segue unindo pontos: “Para construir nossa linguagem visual só seguimos o que a própria banda oferece em sua obra. O bate-bola, o arlequim, a colombina e o pierrot. Todos esses personagens estão nas músicas da banda”, aponta Rodrigo.

 

O Iaiá faz parte de uma leva de blocos temáticos que ganharam os espaços públicos da cidade durante a folia, atendendo a todos os gostos e talvez levando pra rua uma galera que, até então, não curtia a festa. Melhor ainda: o surgimento de blocos que homenageiam a obra de determinados artistas e bandas – como o Toca Raul (Raul Seixas), o já citado Sargento Pimenta (Beatles) e o Exagerado (Cazuza) – é sem dúvida um refinamento e uma evolução do que já era um cenário musicalmente rico. E não só no Rio: em Paraibuna, interior de São Paulo, o Carna Maiden toca o repertório da banda inglesa de heavy metal Iron Maiden no ritmo dos tambores: bom pro headbanger e bom pro folião!

 

E, mesmo com tanta personalidade, o Iaiá se une a tantos outros blocos cariocas nas dificuldades para levar sua arte pra onde forem chamados. “As dificuldades são gigantescas! A maior festa popular do país tem muito pouco investimento. O carnaval de rua é visto, ainda, e erroneamente, como algo informal. Muito pelo contrário: o trabalho é seríssimo, feito ao longo do ano por profissionais da indústria da música qualificados e comprometidos. Os números envolvendo os quatro dias de carnaval são incríveis, chegam à casa de bilhões em impostos para a cidade, mas quem faz a festa de fato, os blocos, muitas vezes acabam pagando do próprio bolso para fazer seus desfiles e apresentações”, contextualiza o fundador do Iaiá.

 

Mas, por eles e pra todos, há muito amor e dedicação (dois pontos a se unir e ver no que dá!). “Nosso trabalho e o trabalho dos blocos envolve exatamente isso. Amor pelo carnaval, pela música, no nosso caso pela banda Los Hermanos, e dedicação pra realizar uma festa grandiosa, driblando dificuldades com alegria e determinação”, finaliza Rodrigo Ferraz.

 

Enfim, essa festa está acontecendo: bom Carnaval, iaiás e ioiôs! Até a próxima, com o abraço crocante do Coringa!

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

One thought on “Bloco pra Iaiá: a arte e o desafio de levar Los Hermanos pra passear na folia

  • 25 de fevereiro de 2020 em 10:09
    Permalink

    É tudo isso aí mesmo que você falou, Celsao! E hoje tem!

    Resposta

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *