Bernard Fowler – Inside Out
Gênero: Funk
Duração: 44 min
Faixas: 9
Produção: Bernard Fowler
Gravadora: Rhyme & Reason Records
Há 30 anos, Bernard Fowler tem ocupado um posto de distinção: é o backing vocal masculino oficial de ninguém menos que os Rolling Stones. Para isso, não pode ser qualquer um. Além da colaboração perene com os Glimmer Twins, Fowler também tem uma carreira fora da banda, na qual já colaborou com Bootsy Collins, Yoko Ono, Herbie Hancock, entre outros. Ou seja: Fowler é um monstro dentro do armário e, de tempos em tempos, sai pra dar umas voltinhas no quintal. Lembro do disco de jazz de Charlie Watts, lançado em meados dos anos 1990, “Long Ago & Far Away”, que tinha uma interpretação matadora para “I’ve Got A Crush On You”, na qual o veterano baterista, travestido de band leader, contava com os vocais de Fowler. Talvez seja a melhor versão deste clássico que eu já ouvi.
Neste “Inside Out”, a onda é bem diferente. Fowler tem uma posição privilegiada para entender e se apossar do repertório dos Stones, mas é esperto o bastante para saber que é impossível se aproximar dos originais. Sendo assim, ele escolheu um punhado de canções não muito conhecidas – exceção para o single “Sympathy For The Devil” – e mandou ver numas versões canto-faladas, meio beatniks, meio Gil-Scott Heron, meio profeta do apocalipse com placa dizendo que o fim do mundo está próximo. Injetou funk, soul e jazz em batidas minimalistas e precisas e se saiu com um baita álbum que não tem qualquer pinta de tributo oportunista.
Posso ver a expressão de felicidade de Jagger e Richard ao ouvirem o que Fowler fez com a subestimada “Undercover Of The Night”. Ou com a interpretação chapadíssima de “Sister Morphine”, com direito a approach funk’n’jazz e trumpete à la Miles Davis. É um trabalho de reinvenção primoroso e extremamente ousado, uma vez que as melodias ficaram quase ausentes, restando ao ritmo o papel de conduzir as narrativas das letras. O efeito nos dá a impressão de estarmos diante de semi-raps ou algo no gênero, mais velho, mais ligado a uma ancestralidade de contador de histórias.
A banda que o sujeito escalou torna a tarefa mais fácil. Na bateria e percussão está Steve Jordan, nas guitarras o célebre Ray Parker, Jr, Mike Garson (integrante da última banda que acompanhou David Bowie no estúdio) ocupa piano, enquanto outro coadjuvante dos Stones, Darryl Jones, responde pelo baixo. Os momentos minimalistas são legais, mas quando a banda ataca as canções de forma mais convencional, a sensação é de que estamos diante de um pequeno rolo-compressor. Exemplos disso: “Dancing With Mr. D”, “Sympathy For The Devil” e a endiabrada versão para a soberba “Time Waits For No One”, que ressurge com um coro de apoio onipresente que manda vários “tik toks” ao longo da canção, dando a impressão de estamor diante do relógio do armageddon.
Bernard Fowler levou as já cascudas criações de Jagger e Richards para um passeio no gueto e as deu um trato. O resultado é este surpreendente disco. Não perca, sendo fã dos Stones ou não.
Ouça primeiro: “Time Waits For No One”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.