Barbara Eugênia entre crashes e crushes
Barbara Eugenia – Crashes’n’Crushes
Gênero: Alternativo
Duração: 29:30min
Faixas: 11
Produção: Bárbara Eugênia e Bianca Godoi
Gravadora: Independente

“Crashes’n’Crushes” é desse tipo de disco surpresa que a portabilidade tecnológica tornou possível para a produção musical. Gravado com poucos recursos, composto por canções feitas nos cinco últimos anos e banhado pela vivência em Portugal ao longo do último semestre pandêmico, este trabalho mostra uma Bárbara Eugênia introspectiva e voltada para pequenos escrutínios do amor e da rotina da vida entre quatro paredes. Cantora de muito talento e versatilidade, Bárbara parece dar um passo em direção a uma sonoridade lenta e reflexiva, que serve de moldura para letras belas – em inglês e português – aproveitando os flertes com teclados e excentricidades como theremin, celesta e até um bandolim vietnamita. Ao seu lado estão o músico português Noiserv e a coprodutora Bianca Godói, que conseguem traduzir este clima para as faixas. Há uma bela cover para “Estrela da Noite”, de Jorge Mautner, que ganha em drama e relevo com a voz de Bárbara.
A cantora e compositora analisa as faixas que gravou no álbum e revela detalhes que podem – e devem – ser conferidos em audição dedicada, com fones e tudo mais.
1 – I don’t love you no more
Resolvi abrir e fechar o disco com vinhetas. Já é algo que andava rolando em alguns discos e gosto disso. Simples, papo reto, uma passagem ali ou, nesse caso, uma abertura. Penso nela como aquele momento no bar, quando tá todo mundo falando junto e concordando com o depoimento da amiga (amigo, amigue). Aqui, esse momento é uma celebração do fim.
2 – Rain oh rain
Fiz essa música muitos anos atrás num voo longo (acho que pra Índia). Tava vendo o filme sobre a vida do Hank Williams e fiquei pensando naquele sotaque caipira americano e viajando na sonoridade e no universo country comecei a balbuciar rain oh rain. Logo corri pro banheiro pra registrar a ideia. Ano depois, encontrei o Thiakov (músico de BH, responsável pela guitarra slide da faixa), mostrei as ideias pra ele, que me ajudou a terminar, e assim a canção nasceu.
3 – O amor se acabou
Essa foi escrita pra Wanderlea, na verdade. Seria para um disco novo dela que acabou não acontecendo, então quando eu estava revendo minhas coisas pra fechar esse disco pensei: essa música linda PRECISA entrar! Aqui, o músico português Noiserv já começa a dar mais as caras, gravando os synths.
4 – Favorite music
Fala daquelas declarações de amor que a gente faz através de música, sabe? Era só um pedaço, eu pensava, e acabou que tudo que tinha que dizer era isso mesmo, o que tá aí. E nessa, o que aparece brilhando mais é um bandolim vietnamita que a Bianca Godoi (coprodutora e instrumentista no álbum) arrumou emprestado e acabou virando uma das marcas desse disco.
5 – Build a bridge
Sempre imaginei uma voz masculina bem grave cantando comigo essa música, que foi feita do outro lado do mundo pensando na saudade de um amor à distância que parece impossível. Quando fechamos o estúdio do Noiserv pra gravar o disco, vi que seria perfeito esse dueto.
6 – Do it anyway
Essa é a canção mais recente do disco, escrita em 2021 mesmo. Ela fala daquele amor destemido, sonhador, de quando a gente se joga apesar de qualquer coisa. E aqui temos a presença de um lindíssimo instrumento chamado celesta (tipo uma mistura de piano e metalofone) que mora no estúdio do Noiserv e que, quando bati o olho, disse: eu quero esse som meu disco!
7 – Estrela da noite
Gravei essa música no ano passado, sozinha, no meu quarto. Foi a pedido de um programa de rádio de Londres chamado Barkino. Era pra escolher uma versão e gravar e eu tava há tempos querendo gravar essa do Mautner. Sou apaixonada por ele.
8 – Straight from the stars
Sobre encontros e desencontros. Aqueles amores que duram a vida inteira porque nunca se materializam de verdade, mas que sempre que se encontram, arrebatam.
9 – Ready to love
Fiz essa quando tava morando na roça, sozinha. E foi quando comprei um piano elétrico e voltei a estudar, e foi uma das primeiras composições que surgiram ali. Ela fala do medo de se entregar, de olhar pra dentro, entender as sombras e se abrir porque o amor pode estar ali, é só você que não tá deixando ele entrar.
10 – We don’t know
Também veio da minha época no mato e fala de libertação, de uma transformação na vida. Deixar o velho ir embora e se abrir para o novo sem saber o que vem, mas aqui existe confiança, esperança.
11 – Sambinha
A vinheta de encerramento é uma das canções mais lindas da “nova” música brasileira. Sou fã desses caras (Peri Pane e arrudA e seu Canções velhas para embrulhar peixes) faz tempo, já cantei ela muito em shows deles e senti que seria o final perfeito para essa história. Afinal, nos crashes ou nos crushes, estamos todes na mesma busca: o amor.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.