Bruno Berle segue mapeando e ofertando afetos

 

 

 

Bruno Berle – No Reino dos Afetos 2
28′, 10 faixas
(Far Out Records)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Antes de ler esta resenha, recomendo que você ouça o primeiro álbum de Bruno, “No Reino dos Afetos”. Lançado em 2022, ele fez bonito além das fronteiras brasileiras, caindo nas graças do povo moderno da Far Out Records, que o lançou na Inglaterra, como herdeiro de uma tradição moderna da música brasileira de todos os tempos. Tal fato levou Bruno a ser ouvido no exterior e, claro, convidado para apresentações lá fora, tornando-se potencialmente mais conhecido lá fora do que aqui. A audição do primeiro “No Reino Dos Afetos” é necessária para compreender como a música que Bruno faz é, de fato, moderna e fluida. Ao mesmo tempo, ela não perde de vista a identidade brasileira, nordestina, pessoal. É fácil entender o motivo do fascínio do pessoal da Far Out pelo álbum e pelo próprio artista, visto que o selo inglês novamente assina o lançamento desta sequência. E ao ouvi-la, vemos que há mais informações aqui do que na estreia, mostrando que Bruno está em desenvolvimento e em busca deste eu artístico, assim como todo artista jovem deve estar.

 

Longe desta lenga-lenga crítica, “No Mapa dos Afetos 2” é uma lindeza de álbum. É impressionante como Bruno tem uma aura djavânica descomplicada, algo que seria uma contradição em termos, visto que a obra do veterano e venerável cantor e compositor alagoano prima pela complexidade ritmica, melódica e lírica. De alguma forma misteriosa e espontânea, Bruno parece extrair desse paradigma apenas o essencial: a alegria onde os ritmos nordestinos encontram formas plurais de expressão. Se Djavan usou o blues e o pop jazz americanos para isso no passado, Bruno usa a música eletrônica com inteligência, de modo a jamais parecer engessado ou robotrônico. Sua música é como o vento batendo no rosto, algo que pode acontecer em Maceió ou Londres, uma vez que apenas o essencial está conservado. Sabemos que não é tão fácil, mas sua música torna possível esse encurtamento de distâncias, essa sensação de pertencer a algo que não é só brasileiro. Ou não é só estrangeiro. Bruno está na fronteira. Atravessando para os dois lados, ao mesmo tempo.

 

Dá pra conectar este segundo álbum com a vinda de Bruno para São Paulo, em consequência de sua estreia, há dois anos. A sua parceria com Batata Boy, seu conterrâneo e companheiro de criações há algum tempo, frutifica a olhos vistos, ampliando os idiomas sonoros, mesmo que ainda mapeando temas cotidianos, amor, relacionamentos e um certo prazer de existir, que suas canções transmitem. Com gravações feita no Rio, Maceió e São Paulo, o disco tem a propriedade de documentar o momento atual de Bruno com o máximo possível de precisão. O single “Tirolirole”, faixa que encerra o álbum, tem os pés em continentes distintos. Um deles está na modernidade leve como a brisa, as possibilidades materializadas e a felicidade de poder cantar e viver o momento. O outro pé está sobre tudo o que trouxe Bruno até aqui. A canção é o resultado desse posicionamento. Ela é aérea e lírica (“abro portas e janelas da canção/vejo o sol e entra o vento e varre o chão/só vem estrelas lindas e céu de anil/fé nos olhos, tudo se floriu”) com uma quase inocência advinda de uma felicidade inexplicável, porém legítima.

 

O álbum tem este clima em sua totalidade. A abertura, com “Te Amar Eterno”, traz uma levada de violões, pianos e revestimento eletrônico quase imperceptível, novamente com letra solar (“te amar eterno, para além de eu respirar”) e vocais que honram esta tradição que mencionamos acima, não só com Djavan, mas com doses generosas do Caetano Veloso setentista. “É Só Você Chegar” é outro exemplo de beleza, mas com uma frequência um pouco mais lenta e pianística. A voz de Bruno surge frágil, porém decidida, numa letra confessional sobre amor finalmente alcançado. “Love Comes Back” tem eletrônica datada e uma ambiência mais cinzenta e letra em inglês cheio de sotaque, honrando outra tradição, a dos cantores brasileiros com inglês insuficiente, mas que, por algum mistério, soam bem a todos os ouvidos. E se há um momento de sutileza marcante, ele chega na transição de “Quando Penso”, ao violão, quase um ensaio, para “Tirolirole”, mostrando a fluência e a beleza que saturam este álbum.

 

“No Reino dos Afetos 2” é uma semente de dente de leão voando ao vento. Frágil, mas única e com destino certo. Ouça e se espante como o mesmo Brasil que é capaz de produzir tanta violência, também produz algo que é tão próximo de uma beleza universal e gentil. Espantoso e muito, muito bonito.

 

Ouça primeiro: “Tirolirole”, “Love Comes Back”, “Te Amar Eterno”, “É Só Você Chegar”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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