Um monte de novos e ótimos discos de mulheres

 

 

Hoje, Dia Internacional da Mulher, é uma boa oportunidade para mostrarmos vários álbuns de artistas que estão em momentos pra lá de criativos. Como vivemos uma época em que há vários lançamentos toda semana, o número acumulado de bons discos, daqueles que merecem comentários e resenhas, só aumenta. Sendo assim, aproveitamos o bom timing e listamos álbuns bacanas que foram lançados neste início de ano. Tem de tudo neste time: veteranas, novatas, gringas e brasileira. A ideia é dar uma amostrinha do que vem sendo feito na música pop, bem além dos limites emburrecedores do mainstream. Aliás, se há algo em comum entre as artistas escolhidas é sua teimosia em fazer música original, valiosa, com a noção de que vivemos aqui e agora. Escolha e ouça. Quem estampa a foto da matéria é o grupo inglês Lime Garden.

 

 

 

Sofia Freire – a sensacional cantora e compositora pernambucana chega ao terceiro álbum, “Ponta da Língua”, recém-lançado. Sofia sempre foi muito talentosa na criação de climas tecladeiros e pianísticos, aliando-os à sutileza de seu canto. Esta agridoçura que existia nas melodias e no jeito de cantar parece ter ficado para trás, uma vez que as canções deste novo álbum são mais fortes, mais topetudas, cheias de si. Sofia também modificou arranjos e inseriu outros timbres eletrônicos em muitos momentos, conseguindo ótimos resultados. O single “Minha Imaginação” tem até scratches e andamento que tangencia o brega. E “Mormaço” ela mistura sol e lindeza com pungência. As letras também acompanharam esse momento de força e reforça, com ótimos resultados. Em canções como “Autofagia” (“é mais fácil dissolver na liturgia da preguiça, todo dia a mesma missa”), “Arrebento” (“já fui muito grande pra essa minha carcaça e até quando fui pequena ela quis arrebentar”) e “Dentro de Mim” (“dentro de mim basta ser quem eu sou, custa ser quem vou ser, resta ser o que é”) ela mostra que não está para brincadeira. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Faye Webster – vinda diretamente de Atlanta, Faye lançou um dos mais belos álbuns do ano até agora, “Underdressed At The Symphony”, no qual ela pratica uma sutil mistura de tons do pop pianístico setentista com o alt.country da virada do milênio e pitadas das sonoridades iniciais de Fiona Apple. Sua voz é bem peculiar, oscilando entre um registro vulnerável e triste, mas com senso de propósito, que o The Guardian chamou como “voz de pétala”. É uma boa definição para a sutileza cortante que Faye imprime em suas canções. O guitarrista do Wilco, Nils Cline, participa de várias faixas e há pequenas pegadas interessantes por aqui. O álbum começa com “Thinking About You”, que tem quase sete minutos de duração e não tem qualquer pressa para atender a formatos vigentes. Em seguida, “But Not Kiss”, é um anda-e-para de silêncios e sons, com ótimas intervenções de piano e teclados numa melodia que se oferece para várias variáveis. Em “Lego Ring” ela evoca alguns elementos de rock alternativo para contar com a participação de Lil Yatchy nos vocais, com um efeito psicodélico interessante. Discaço. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Stephie James – Stephie nasceu em Detroit, mas mora em Nashville, onde desenvolveu sua carreira. Seu álbum de estreia, “As Night Fades”, é uma belezura soturna, ao mesmo tempo com ares que evocam os momentos mais enguitarrados do Blondie e pinceladas de mitologia noir, pincelando Phil Spector, Roy Orbison e grupos vocais como Drifters e Shirelles. A moça compõe e toca guitarra, oferecendo uma sonoridade muito bacana, que alcança ótimos momentos. Em “Company” ela evoca aquele clima “Spanish Harlem”, com violões e andamentos próprios, turbinados por cordas e efeitos líricos no estúdio. Em “Steve McQueen”, ela sobe o volume das guitarras e acelera o andamento para exorcizar um ex-namorado fã de motos e em “Surf”, baixa a bola para se concentrar num arranjo instrumental mais complexo e cheio de guitarras e cordas meio latinas indo e vindo. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Merryn Jeann – Merryn é australiana, está lançando seu quarto álbum, “Dog Beach” e propõem uma sonoridade inquietante. Ao mesmo tempo que é totalmente tributária da modernidade urbana total, à toda velocidade, o tempo todo agora mesmo pra ontem, sua música traz elementos de um pop anglo-americano clássico, digno de gente da estatura de Carole King. O mais inquietante é que esta característica não é constante, ou seja, há muitos momentos de experimentação e uso de texturas, efeitos e remixes, mas, pelo menos no último álbum, há três canções que surgem cheias de força. A melhor delas é, de longe, “Subconscious Love Connections”, que parece uma obra originalmente feita em 1972, mas que foi colocada numa máquina do tempo e aterrisou ontem, na casa de Merryn. A melodia é linda, clássica, com ganchos, mas aparece totalmente atualizada e contextualizada para quem está nos 30 e poucos. “Thank God For Astrology” é outra lindeza, mas com um andamento new wave oitentista submetido a este filtro pós-modernizante, cheia de referências astrológicas e conversinha fiada neste sentido. E, por fim, “Talking To Angels”, outra gota de paz e calma num oceano de atualizações de Windows 12. Diferente, curiosa e instigante. 3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

Laetitia Sadier – uma das preferidas da casa, Laetitia é uma das mais talentosas criadoras de sua geração. Era – e é – a distinção classuda do Stereolab, engajada artística e politicamente e dona de uma carreira solo tão elegante quanto ela. O álbum mais recente, “Rooting For Love”, dá continuidade à sua busca estética de um ponto equidistante entre o passado e o futuro como ele costumava ser. Estes dois extremos controem o presente em que Laetitia solta suas criações. Neste novo álbum há muitos momentos memoráveis. “Protéiformunité” parece em câmera lenta e gravada à beira mar, numa tarde em que o sol não esquenta, mas que o céu é azul. “Don’t Forget You’re Mine” é uma das canções mais adoráveis da carreira da moça, com um título que posiciona os/as incautos/as sobre o verdadeiro estado das coisas em meio a um arranjo minimalista. “Panser L’inacceptable” é digna do Stereolab, caso tivesse uma abordagem instrumental mais afeita ao que o grupo anglo-francês costuma fazer. E “The Inner Smile” ecoa mais Stereolab, Beach Boys e mistura yin e yang numa canção pós-modernidade cheia de mistérios em cada segundo. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Molly Lewis – quando você pensa que nada mais pode te surpreender, surge Molly Lewis, cuja especialidade é … assoviar. Com dois EPs e este primeiro álbum em sua carreira, Molly já chamou atenção por colocar uma canção na trilha sonora badaladíssima de “Barbie” e, a partir daí, ter ganho um séquito de admiradores. Além disso, suas criações são permeadas por um amor total ao Easy Listening e à Exótica, estilos que pegam emprestadas referências do fim dos anos 1950 – música havaiana, caribenha, Bossa Nova – e traz para seu presente peculiar. Apropriadamente batizado de “On The Lips”, o álbum da moça tem momentos de beleza desconcertante e inesperada. Em “Lounge Lizard”, por exemplo, a melodia parece decalcada de um sonho dourado, algo idealizado mesmo, de beleza, final feliz, reencontros mil, uma total visão sonora de belezura indistinta. Em “Crushed Velvet” esse potencial de lirismo e beleza ideais é subvertido para tonalidades muito mais sóbrias e escuras, mostrando uma espécie de outro lado da moeda. Uma dica: ouça com dedicação total o segundo EP de Molly, “Mirage”, de 2022 e veja, da capa à sonoridade, do que ela é capaz. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

El Perro del Mar – Sarah Assbring, também conhecida como El Perro del Mar ganhou certa fama mundial junto com companheiros de geração, como Jens Lekmann, Pete, Bjorn & John, Kings Of Convenience e José Gonzalez na primeira década do século. Mais ou menos como eles, Sarah fazia indie pop rock bonito, melodioso e com ótimas canções, mas, após oito anos de sumiço, ela retornou com um instigante álbum chamado “Big Anonymous”, no qual ela fala de morte, mudança e transformações, sejam elas bem-vindas ou não. No lugar das guitarrinhas e arranjos convencionais de banda, entra um art pop eletrônico torturado e minimalista, com ecos de synthpop e trip hop, como na bela e lúgubre “Suburban Dreams”, que vai crescendo assustadoramente à medida que vai avançando. Em “In Silence”, novamente ela se vale de temas e tons de cinza para falar do que não é dito e de como isso acontece. Em “Between You and Me Nothing” o tal silêncio é usado no arranjo e na sutileza dos climas e detalhes. Um álbum complexo e surpreendente. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Lime Garden – diretamente de Brighton, na Inglaterra, vem o jovem quarteto Lime Garden, que está iniciando sua carreira com uma belezinha de álbum, com o título de “One More Thing”. É uma dessas bandas que têm um leque de influências absolutamente diverso, que abrange desde Fleetwood Mac a hair metal dos anos 1980, passando por Talking Heads e disco, pop, surf music e por aí vai. Formado por Chloe, Annabel, Leila e Tippi, o Lime Garden é banda para se olhar com atenção. No disco há dez canções prontas para o amor total, sendo que, no nosso caso, “Popstar” é a eleita e preferida. É uma narrativa verdadeira e cheia de detalhes sobre gente que vive o cotidiano opressor e acalenta o sonho de jogar essa vida sem graça para se tornar um … popstar. É praticamente um arquétipo e isso aproxima a narrativa a todo mundo que gosta de música e acredita no que ela pode representar. Lime Garden, queremos mais. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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