Arcade Fire e a delicadeza de “Her”

 

 

 

Arcade Fire – Her

Gênero: instrumental, alternativo

Duração: 40 min
Faixas: 13
Produção: Win Butler
Gravavora: Sony

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Um dos filmes mais belos e criativos da última década é “Her”, de Spike Jonze. A história de amor entre um homem (Joaquin Phoenix) e um sistema operacional de computador (a voz de Scarlett Johansson) é uma delicada metáfora da modernidade em constante fluxo, que espelha, não só a carência humana como as projeções acerca da inteligência artificial. A história se passa num futuro próximo e os contornos que Jonze dá à narrativa vão do alegre ao melancólico às vezes na mesma sequência. Se “Her” é tudo isso, certamente a trilha sonora tem papel decisivo em seu êxito. A música pontua esta história de “ficção real” com delicadeza extrema, toques muito sutis de estranheza e, sobretudo, sentimento de solidão. Os canadenses do Arcade Fire, mais precisamente, Win Butler e Owen Pallet (que grava e excursiona com a banda) foram convocados por Jonze para emoldurar o filme musicalmente e foram tão bem que a trilha foi indicada para levar o Oscar em 2014. Agora, sete anos depois, a integridade da parte musical de “Her” é lançada como um disco oficial do grupo canadense.

 

É bom lembrar que o Arcade Fire versão 2014 era a banda que estava assinando seu álbum mais ambicioso até o momento, “Reflektor”, que empresta duas canções para esta trilha: “Supersymmetry” e “Porno”, esta última, transformada num instrumental que se ouve ao longo do filme. Mas, se pensarmos que “Reflektor”, um disco duplo e com pé firme no art rock dos anos 1980, foi marcado pela grandiosidade e por canções com arranjos complexos, é admirável perceber o quanto a música que está presente em “Her” é tão oposta. Os pianos e sintetizadores assumem papel de linha e linho para bordar esta tapeçaria sonora com tons semelhantes aos dos cenários do longa, marcados por laranja, salmão, rosa, sempre adornando roupas, ambientes e, por que não, emoções.

 

O grande lance na trilha sonora de “Her” é que ela é totalmente humana. As melodias e arranjos minimalistas revelam a metade orgânica que o filme tem, na qual o personagem de Phoenix, Theodore, se vê completamente vulnerável em relação à solidão. O mais pungente é sua aceitação disso como uma consequência ponderável e até natural da vida, ainda que demore para assinar papéis de divórcio de seu relacionamento “físico” anterior, com Catherine, vivida pela atriz Rooney Mara. Entre tentativas tateantes para acalmar a tristeza, ele esbarra na humanidade assustadora do sistema operacional de um novo computador, que acaba ganhando o nome de Samantha, e vê sua relação com a máquina evoluir rapidamente para um amor real, marcado pela cumplicidade e sintonia de interesses. As melodias levemente pontuadas ao piano, especialmente “Song On The Beach” e “Divorce Papers”, mostram bem esta vulnerabilidade e a tristeza acachapante que a solidão pode trazer, mesmo que muitos insistam em glamurizá-la. O filme e sua música são gritos silenciosos por conta disso.

 

A trilha não chegou a sair oficialmente por alguma trapalhada da Warner, detentora dos direitos do filme, que não autorizou o lançamento nem explicou sua ausência, limitando-se a distribuir poucos CDs para alguns críticos na época do filme. Depois o conteúdo da trilha circulou por sites como o Youtube e como download ilegal para, finalmente, ganhar um lançamento digno pelas próprias mãos do grupo canadense. Além do streaming, “Her” terá versões em vinil duplo e cassete. Ouça com o peito aberto e sinta o impacto.

 

Ouça primeiro: “Divorce Papers”, “Song On The Beach”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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