Aquarelas sonoras do Lambchop

 

 

Lambchop – Showtunes

Gênero: Eletrônico, alternativo

Duração: 31 min.
Faixas: 8
Produção: Kurt Wagner
Gravadora: City Slang

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Já se vão cinco anos desde que o Lambchop deixou de lado sua sonoridade inicial e partiu rumo a algo novo. Por este termo entendemos uma fusão gradativa dos timbres usados até o álbum “Flotus”, lançado naquele ano, e o que este mesmo trabalho apontava para o futuro: uma lenta rendição a timbres eletrônicos e texturas sintéticas, usadas com tanto cuidado, carinho e conceito, que a paisagem sonora da banda só fez melhorar. Se ficou para trás o alt-country lounge que Kurt Wagner e sua turma faziam, esta nova sonoridade deu novíssimo fôlego para o grupo, tornando-o capaz de pensar e lançar discos conceituais espontâneos, uma vez que o conjunto de faixas passou a conter – em bloco – uma mensagem tão auspiciosa que ultrapassou o limite da música pop mais simples. E nada disso tornou mais tedioso ouvir o Lambchop, só fez o grupo abdicar de refrãos e melodias mais banais, atingindo novos patamares. Este é o caso de “Showtunes”, o terceiro álbum lançado desde a mudança de ares.

 

O efeito que esta mudança de som teve na produção do Lambchop é semelhante ao de uma aquarela. Há um desenho, relativamente simples de se notar e observar os detalhes, daí, a partir do uso da água, as fronteiras, as bordas, os tons, tudo vai mudando. A imagem é a mesma, a perspectiva muda, novos detalhes se revelam enquanto velhos detalhes somem. A eletrônica que filtra as lentas e cinematográficas canções, cheias de metais, teclados e cordas, transmuta sua aparência, mas preserva sua essência, dando contornos de sonho ao resultado final. Se pudesse usar uma referência visual, a série da HBO “Sharp Objects” tem um efeito muito parecido, com sua atmosfera de sonho, de embriaguez, depressão e confusão vividas pela personagem de Amy Adams diante de uma trama perversa de assassinato de uma criança. Aqui, no mundo do Lambchop, a visão/audição é turva mas nunca confusa. E isso é legal.

 

“Showtunes” é curto: oito faixas em 31 minutos, todas contendo essa melodia inicial, lenta, demorada, detalhada, mais cedo ou mais tarde encampada pela eletrônica, com efeitos distintos. A faixa de abertura, “A Chef’s Kiss”, tem uma presença discretíssima dos timbres mais sintéticos. Eles estão inseridos no todo, com teclados que compõem a estrutura da canção e do próprio arranjo. Enquanto a voz grave de Wagner vai recitando a letra, as teclas e cordas vão acompanhando num percurso de resignação silenciosa. O tom parece se manter em “Drop C”, a segunda faixa, mas não da mesma forma. Ainda estamos em tom menor, de introspecção total, mas já nos deparamos com samples e timbres eletrônicos logo de cara, que mais servem de efeitos especiais e coadjuvantes do que elementos essenciais. O efeito é de um rádio não totalmente sintonizado, com uma música se sobrepondo a ruídos. Depois a impressão passa, mas não totalmente, o que nos deixa levemente angustiados. Adiante, a terceira faixa já merece atenção só pelo sensacional título-trocadilho: “Papa Was A Rolling Stone Journalist”, que é outra canção cheia de pianos e sons fantasmagóricos aqui e ali. Metais surgem do nada, como se fossem um cortejo fúnebre e a voz de Kurt é a grande ausência sentida.

 

Com mais de sete minutos, “Fuku” é a grande peça do álbum. Ela o sintetiza, doses iguais de eletrônica e organicidade, tudo em equilíbrio, erguendo uma sonoridade elegante e intrigante. “Unknown Man” e “Blue Leo” vão por caminhos diferentes para chegar ao mesmo objetivo. A primeira parece uma caminhada pela floresta à noite, enquanto a segunda é menos soturna, parecendo olhar um pouco para cima, em direção à superfície, ato que é ajudado pela eletrônica minimalista, que surge quase como se fosse evidência de ruídos aleatórios no arranjo final. As duas canções finais são as mais interessantes, justamente pela mistura de elementos: “Impossible Meatballs” acrescenta ao soturno caos do álbum um violão dedilhado que remete ao passado da banda, enquanto “The Last Benedict” tem samples interessantíssimos de uma cantora de ópera, pairando como se fosse um espírito sobre algum lugar.

 

“Showtunes” é fantasmagórico, noturno e muito bonito. Não tem uma mísera sombra de canção pop ensolarada ou facilmente digestível, pelo contrário. É um trabalho complexo e que vai exigir atenção total do ouvinte. Se este resolver colocar fones de ouvido, fechar os olhos e prestar atenção, a recompensa é certa.

 

Ouça primeiro: “Fuku”, “The Last Benedict”, A Chef’s Kiss”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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