Slow Pulp: muito além do revivalismo dos anos 1990

 

 

 

 

Slow Pulp – Yard
31′, 10 faixas
(Anti)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Ah, os anos 1990… O grunge, o britpop, a música eletrônica… Quanta coisa boa foi produzida naquele tempo, certo? Certo. Tanto que estamos em plena revisão nostálgica daquela década e isso já tem alguns anos. O fato é que, como em todas as revisitas a um determinado intervalo temporal, não há como abranger tudo o que foi feito então. E, de acordo com parâmetros fixados no presente, a ideia é, realmente, selecionar o que se presume mais importante. Sendo assim, pipocam bandas cover, tributos e picaretagens mil que têm Nirvana, Oasis, Pearl Jam e similares como objeto principal. Pra quem está há pouco tempo ouvindo música, até dá a impressão que os 1990’s só tiveram esses artistas com importância e sobrevida. Tem tributo até do … creed. As sutilezas, portanto, ficam de fora e o maior mérito que este grupo de Chicago tem é de revisitar alguns detalhes perdidos, algumas sonoridades mais leves que o ar, espectros que pairavam sobre quem prestava mais atenção. Com vocês, o Slow Pulp e seu segundo disco, o ótimo “Yard”.

 

 

A banda começou como um trio, formado pelos colegas de escola Alex Leeds, Henry Stoehr e Teddy Mathews, que tinham um baita problema: quem cantaria suas composições? A solução chegou na forma e na fofura de Emily Massey, que adicionou uma persona feminina ao som praticado pelo trio e revestiu de melancolia e uma espécie de existencialismo intuitivo, que conferiu profundidade ao Slow Pulp. O interessante é que o grupo, depois da chegada de Emily, focou sua sonoridade numa encruzilhada estética noventista pouco explorada: o som das bandas alternativas de mulheres, Breeders, Belly e Veruca Salt à frente, porém, com uma novidade: e se essa sonoridade, naturalmente enguitarrada e apunkalhada de então tivesse sua velocidade diminuída? E se, neste processo, as guitarras do Slow Pulp (os quatro integrantes tocam o instrumento) incorporassem um pouco da sonoridade que o Weezer fazia em seus dois primeiros disco? Mas, assim, bem de leve? E que tal uns toques de atitude shoegaze aqui e ali? Pronto. Esta é a fórmula sonora que o grupo propôs em “Moveys”, sua estreia de 2020 e aprimora agora, em “Yard”. E dá muito certo.

 

 

As letras de Massey são bem detalhadas e exploratórias dos sentimentos e incertezas vivenciados neste mundo de rapidez e superficialidade. A angústia e o medo são elementos constantes e, justo por isso, os momentos em que ela abre espaço para força e auto-confiança são bem bonitos. Veja, por exemplo, o hit “Slugs”. Nele, Massey não se importa com o fim de uma relação, desde que fique bem claro que o que houve era bom o bastante para suplantar qualquer sentimento ruim e, mais que isso, se refere à pessoa amada como sendo “seu hit de verão”, algo que já traz a noção do tempo e de como aquilo pode – ou poderia – não durar pra sempre. É como implantar a noção de finitude até nos momentos mais brilhantes. Parece simples, mas é prova de maturidade e de um certo desencanto, elementos que combinam demais ao longo das dez faixas do álbum. Mas o charme lírico por aqui é a atenção dada a eventos cotidianos, como cachorros de vizinhos que latem alto, reflexões sobre atitudes e posturas, saudades de casas da infância e por aí vai. Quem nunca?

 

 

Outra vantagem do Slow Pulp em “Yard” é a absoluta entrega emocional e sonora. Os primeiros segundos de “Gone 2”, a faixa de abertura, já dão a noção exata do que vem pela próxima meia hora. Os vocais de Massey são puro anos 1990, lembram várias cantoras da época e evocam climas mil, num ótimo exercício. E dá pra dizer que não há momento desperdiçado ao longo do álbum. Canções como as já citadas “Slug” e “Yard” são lindas e adoráveis, assim como o são “MUD”, “Doubt”, “Cramps”, “Broadview”. E a faixa de encerramento, “Fishes”, evoca um pouco da aura country folk que o grupo exibia no início da carreira, mas que parece ter sido deixada de lado. E sobre momentos sutis dos anos 1990, eu ainda procuro sentir a mesma emoção que senti quando, ao passar pela TV daquela época, dei de cara com um episório da série “Party Of Five”, no qual tocava uma versão absolutamente bela de “The Love You Save”, do Jackson 5, feita pelo grupo novaiorquino Madder Rose. Demorei muito tempo para achar a versão e só a tenho em mp3.

 

 

Slow Pulp é um elogio aos pequenos momentos, à crônica do dia a dia, ao diário de anotações e, sim, à artesania sonora que possibilita ir e vir no tempo, com a certeza de que estamos aqui, hoje, 2023. Belezura de disco.

 

 

Ouça primeiro: “Slugs”, “Yard”, “Doubt”, “Cramps”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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