Alegria e tristeza coexistem no novo Gruff Rhys

 

 

 

 

Gruff Rhys – Sadness Sets Me Free
43′, 10 faixas
(Rough Trade)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Em algum momento da faixa-título deste novo álbum, Gruff Rhys canta uma série de situações em que a vida parece ter dado certo. Ele vê o futuro com bons olhos, sua persistência é recompensada, consegue enxergar através das pessoas e tem alguém com quem parece se dar bem. Mas, mesmo com tudo isso, desfrutando dessas instâncias privilegiadas e raras em tempos como os atuais, ele não consegue evitar: “apenas a tristeza me deixa livre, me libera”. E esse é o título deste novo trabalho do homem, o oitavo em sua carreira solo. Pelas contas de Gruff, no entanto, este é seu vigésimo-quinto trabalho, contando aí os vários projetos que já teve e os tempos à frente de uma peculiar banda dos anos 1990-2000, Super Furry Animals. Quem conheceu esta anárquica formação do rock galês, sabe que os sujeitos eram loucos mas capazes de compor belas canções e esta característica está presente em todos os cantos onde Gruff esteve até hoje. Não é diferente com este ótimo “Sadness Sets Me Free”, que ele lança agora.

 

Como o título entrega, o que está em jogo por aqui é a aceitação da tristeza e do descontentamento como situações tão presentes no cotidiano das pessoas que elas não só não se libertam delas, como as abraçam com amor, entendendo que, mesmo por trás desse desconforto e inadequação, existe um potencial enorme de … prazer. É uma espécie de normalização do “já está no inferno, abraça o capeta” ou algo assim. O fato é que Gruff Rhys é um belo arquiteto sonoro, dotado de um poder enorme de escrever ganchos melódicos respeitáveis. Aqui ele encontrou uma sonoridade que traz, ao mesmo tempo, toques do pop psicodélico britânico dos anos 1960, algumas pitadas de country mais urbano, no sentido Glen Cambpell do termo, tudo revestido com tons escuros, terrosos, cinzentos. Mas, como nada é o que parece ser, no meio das dez faixas há momentos de puro e sincero prazer auricular.

 

A fluidez dos arranjos chama a atenção. Um quarteto de cordas está presente na maioria das canções, conferindo um tom de “avant pop” a tudo o que se ouve. Em alguns momentos, esta presença arranha o sublime, caso da ótima “Silver Lining Lead Ballons”, talvez o ponto alto do álbum. As gravações ocorreram durante três dias, quando Gruff e sua banda estavam em Paris. As ideias e conceitos já estavam bem definidos e o curto tempo para realizar tudo mostra como o álbum já nasceu coeso e cheio de belezuras. Em alguns momentos, como em “They Sold My Home To Build A Skyscraper”, Gruff trata de temas tão sérios como a ocupação de espaços em favor de um mundo menos pessoal e mais automatizado e superlotado, de um jeito leve, algo que é turbinado pelas escolhas de instrumentos e no próprio arranjo em si.

 

Em “Cover Up The Cover Up”, Gruff baixa o tom da exuberância instrumental e se apega numa balada estruturada com vocais em “canto e resposta”, criando um efeito agradável que remonta ao próprio pop em si. É em canções como “Bad Friend”, “Celestial Candyfloss” e na já mencionada “Silver Lining Lead Ballons”, em que há um groove pianístico e aerodinâmico, turbinado por cordas e melodias tão singelas, que o álbum encontra seus melhores momentos. O fim, com “I’ll Keep Singing”, tem uma pegada meio Beatles, meio Elton John, que remonta ao sentimento ancestral de ouvir o que se chamava de pop rock britânico há alguns anos atrás. Tudo funciona.

 

Este é um álbum que reafirma a maestria de Gruff Rhys como criador e executor de belas canções. Ele tem uma das médias de erro mais baixas da música pop vigente. Se você ainda não o conhece, precisa tirar este atraso já.

 

Ouça primeiro: “Celestial Candyfloss”, “Bad Friend”, “Silver Lining Lead Ballons”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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