A sinceridade de King Princess
King Princess – Hold On Baby
41′, 12 faixas
(Zelig)
Ano passado surgiu um simpático tributo ao Velvet Underground, intitulado “I’ll Be Your Mirror”, no qual um monte de artistas novos e legais prestava homenagem ao combo novaiorquino, relendo suas canções mais emblemáticas e conhecidas. Entre eles, estava a também novaiorquina King Princess. Nascida Mikaela Straus, ela era um dos destaques do álbum, com uma versão endiabrada de “There She Goes”. O que chamou atenção na moça – então com 25 anos – foi a absoluta liberdade com que ela encarou a tarefa, sem intimidar-se, sem se limitar a repetir o arranjo original, imprimindo sua marca. Fiquei com o nome no radar e agora KP ressurge com seu segundo álbum, “Hold On Baby”, o segundo que ela solta na carreira, iniciada há pouco tempo, em 2019. A simpatia que eu tinha pela versão do Velvet se transformou em admiração total após ouvir o misto de pop rock alternativo e singing-songwriting que a moça oferece. Tudo bem feito, bem pensado e sob a batura de Mark Ronson, que produz (ao lado de Aaron e Bryce Dessner) e empresta abrigo para ele em seu selo Zelig.
Uma audição atenta às doze faixas do álbum mostra que King Princess está muito mais para o pop do que para o rock, porém, fica bem claro que ela domina ambos os idiomas e sabe misturá-los com elegância. E mais: sua voz é muito mais versátil e interessante do que parece. O teor lírico das composições presentes aqui está diretamente ligado a sentimentos de inadequação e depressão, sem nenhuma vontade de parecer espertinha ou invulnerável, pelo contrário. Ainda que soe e pareça como uma menina bem confiante, King Princess é de carne osso e gente como a gente, o que gera uma identificação imediata com quem ouve. Ela declarou que o álbum é “uma profunda leitura de si mesma, uma carta de amor à namorada e … uma procura por um novo coração partido”. A produção é polida, espera e cheia de momentos bacanas.
Mesmo que haja motivo de sobra para prestar atenção na produção bacanuda, o grande lance é o tanto de achados poéticos presentes aqui. Em muitos momentos, a impressão é de que estamos numa sessão de terapia com uma jovem de 26 anos, que poderia ser alguém que conhecemos da família, dos amigos ou – em casos específicos – até nós mesmos. A primeira faixa, “I Hate My Self, Want To Party”, parece algo de Alanis Morissette, pela voz ou mesmo pelo arranjo, mas a letra mostra indecisão, medo de agir e sentimento de ser diferente de tudo e todos. “Winter Is Hopeful” segue na mesma onda, com um arranjo que coloca instrumentos em tom baixo, quase sussurrantes, deixando espaço para os vocais – principais e de apoio – tudo devidamente amarrado e bem postado. Já em “Cursed”, King Princess já se vale de um instrumental pop rock mais convencional, com boas batidas, ótimo uso de guitarras e teclados e uma melodia muito bonita. Novamente, na letra, ela diz que “é uma maldição ser sua amiga”, mostrando a dificuldade de lidar com sentimentos conflitantes e situações estranhas. Quem nunca confundiu essas bolas que atire a primeira pedra. Ou não.
Mas King Princess não faz deste disco uma obra de revolta com a dificuldade em lidar com sentimentos e/ou com as pessoas. Pelo contrário. Ele serve mais como uma afirmação dessa postura confusa, entendendo-a como autêntica e única possível diante de tanta confusão sentimental. Canções como “Crowbar” e “Too Bad” vão nessa onda, enquanto os singles “Little Bother” e “For My Friends” já optam por um caminho um pouco menos tortuoso, celebrando a própria existência diante das circunstâncias. Duas outras boas canções esperam o ouvinte lá perto do final do álbum – “Sex Shop”, que surge mais como um desafogo em meio ao resto e a ótima “Let Us Die”, o momento mais próximo do rock alternativo atual que o disco traz, com participação de Taylor Hawkins, honrando sua inclinação de tocar com meninas talentosas antes de ser, apenas, o baterista do Foo Fighters.
King Princess lançou um trabalho sincero, bem produzido e que a coloca como uma artista em franca ascensão. Com participação em Lollapalooza e outros festivais vigentes no planeta, ela é excelente e você tem que conhecê-la logo. Caia dentro.
Ouça primeiro: “Let Us Die”, “Cursed”, “Winter Is Hopeful”, “I Hate Myself”, I Want To Party”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.