A estreia dos Strokes faz 20 anos

 

 

Quem estava por aqui lembra muito bem da chegada dos Strokes. Começaram a falar de uma nova banda americana na imprensa gringa, especialmente a inglesa. Era a nova chegada do rock, o novo milênio em forma de três acordes, o próprio messias vindo com uma guitarra, um cigarro no canto da boca e uma pose de mauzão, com casaco de couro e cabelo despenteado. E isso, ainda que fosse totalmente manjado, era, de fato, algo que parecia novo naquele 2000/2001. Dá pra entender o motivo: o rock naquele tempo era dividido entre o rescaldo das bandas inglesas dos anos 1990, com o Oasis decadente, o Blur vacilante e querendo ser mais americano do que antes e o Radiohead, que havia sepultado todo o otimismo do planeta em “OK Computer”. E, além deles, uma novíssima geração de filhotes da banda de Oxford, como Coldplay, Travis e Muse, todos em seus primeiros passos na carreira. Do outro lado vinha outro rescaldo, o pós-grunge e o alternativo americanos, meio sem inspiração, meio sem sentido e precisando de renovação urgente.

 

Neste ambiente meio estéril, no qual outra força – a música eletrônica – da década anterior também enfrentava uma estiagem criativa, ficou fácil para duas novas-velhas sonoridades soarem refrescantes. O rock básico e blueseiro do White Stripes, otimizado pelo visual e pela curiosidade de ser levado adiante por um casal, Meg e Jack White, e os Strokes, que soavam como uma espécie de reencarnação esperta de toda a linhagem new wave/punk americana dos anos 1970, com o toque fashion e comportamental daquela Nova York pré-11 de setembro. Na verdade, o disco foi lançado no mundo antes dos Estados Unidos, onde saiu apenas em 9 de outubro, justo por conta do ataque às Torres Gêmeas. Na Inglaterra, no entanto, o álbum chegou a tempo de coincidir com os festivais de verão daquele ano, dando aos Strokes uma oportunidade de aparecer em carne e osso para um enorme público.

 

Aliás, essa primazia britânica é explicada pelo lançamento de três canções – “The Modern Age”, “Last Nite” e “Barely Legal” – antecipadamente, em forma de um EP, via Rough Trade. Todas fariam parte de “Is This It” e “Last Nite” despontou como um sucesso naquele primeiro semestre de 2001 na Velha Ilha. Devidamente amaciado, o público ovacionou o quinteto novaiorquino, que era formado por Albert Hammond Jr, Nicolai Fraiture, Nick Valensi, Fabrizio Moretti e pelo vocalista Julian Casablancas. Lembro bem de ver uma entrevista de Julian na qual ele declarava não ter nenhum disco, apenas uma coletânea de Johnny Cash, fazendo o tipo de herói renegado que o rock precisava naquela época. E o cara ainda era filho de John Casablancas, dono da Ford Models, uma agência internacional de modelos fotográficos. Ou seja, Julian era o menino rico e problemático, que optara por viver o rock e seus riscos. Era perfeito.

 

Mas, deixando de lado o “extra-música”, “Is This It” chegou e ganhou um status de disco divisor de águas. E era, de fato. O rock com ele passava por um “downsizing” sonoro. Deixava de lado as ambições dos ingleses, as guitarras decadentes dos americanos e abraçava uma sonoridade esquelética, básica, com certo barulho mas nunca capaz de incomodar o ouvinte. E não dava para negar: o disco era cheio de melodias bem pensadas e compostas pelos rapazes. A produção de Gordon Raphael vinha na medida dessa proposta mais árida e econômica de som, dando um revestimento meio sujo, meio lo-fi, que funcionava muito bem. E se já era single de sucesso na Inglaterra, “Last Nite” ganhou o mundo com um clipe que mostrava uma apresentação “ao vivo no palco” da banda em ar totalmente retrô e despretensioso. Funcionava e bem.

 

“Is This It”, no entanto, não tinha só uma música boa. Tinha várias. Minhas preferidas sempre foram “Soma” e “Someday”, duas clássicas estruturas new wave de linhagens diferentes, mas paralelas. A primeira tem uma progressão constante de guitarras que é muito bonitinha, enquanto a segunda tem uma levada de baixo/bateria que tem sua origem lá na Motown dos anos 1960 e que foi popularizada em várias apropriações ao longo do tempo. Mas há detalhes muito bacanas por todo o álbum. O baixo bem feito da faixa-título, a bateria e a guitarra corridinhas de “Hard To Explain”, a letra raivosinha de “New York City Cops” e a catarse de “Take It Or Leave It”, a última canção do disco, espécie de síntese: “Ah, leave me alone, I’m in control”. E ainda teve a triste questão da “capa alternativa” que “Is This It” precisou ter, por conta da caretice da sociedade americana, que não tolerou a versão original, que mostrava um detalhe do corpo de uma mulher, com luvas pretas.

 

Mas há um problema. “Is This It” envelheceu, datou. E o pior: foi responsável direto pelo surgimento de um exército de clones de Strokes, que se apropriou em diferentes níveis dessa estética enxuta e new wave revista. Até há pouco tempo era irritante notar como havia gente ainda praticando esta sonoridade, aqui e lá fora. Aliás, Strokes e Los Hermanos foram, durante muito tempo, as duas bandas mais importantes para os artistas do rock nacional. Um fato.

 

Os Strokes seguem até hoje. É uma banda madura e interessante. Seus discos são legais, mas poderiam ser melhores. Acho que eles são um grupo que tem mais músicas legais do que álbuns coesos. São uma boa banda de singles, daquelas que justificaria uma coletânea bem feita, se ainda estivéssemos em 2001. Mas não estamos, logo, fazemos nossas playlists e seguimos em frente. “Is This It”, que está na lista dos 500 Melhores Discos de Todos os Tempos da Rolling Stone, tem seu lugar de destaque como um dos últimos manifestos estéticos do rock, paridos sob a égide da indústria musical num mundo ainda não totalmente pautado pela Internet. Talvez o último.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “A estreia dos Strokes faz 20 anos

  • 4 de agosto de 2021 em 17:23
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    Na mosca resumiu tudo o que eu penso dos Strokes, pior que a banda era e ainda e uma das queridinhas dos riquinhos descolados aqui da minha cidade.

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