A chatice de Californication

 

 

 

 

Vi há pouco no Twitter que o sétimo disco do Red Hot Chili Peppers, “Californication”, faz 22 anos hoje. E daí, né? Neste tempo coalhado de efemérides, a gente até dá preferência aos aniversários redondos e de álbuns mais importantes, porém, ver esta lembrança me causou vontade de escrever sobre o álbum, que, a meu ver, é uma procissão de canções semi-chatas ou muito chatas, que levou o RHCP a um patamar inferior ao anterior. Veja, eu sou daquele tipo de gente que gosta do disco anterior da banda, o “One Hot Minute”, que soa como uma antítese a “Californication”. E acho bons os dois trabalhos anteriores, “Blood, Sugar, Sexc Magic”, de 1991, e “Mother’s Milk”, de 1989. Acho que estes álbuns, juntos, compõem o que parece ser uma fase de sucesso e qualidade dentro da carreira dos Peppers. Antes, a banda era alternativa demais, ainda que tivesse talento. E depois, a partir de “Californication”, ela promoveu um downsizing – adoro usar este termo pedante – em suas melhores qualidades e abraçou um pop rock perigosamente anódino.

 

É bom que se diga: “Californication” não tem só músicas chatas ou semi-chatas. Eu gosto de “Parallel Universe”, a segunda faixa, que tem uma levada em alta velocidade de baixo e bateria, certamente o melhor que esta banda tem, a cargo de Flea e Chad Smith. Esta dupla é capaz de evitar goleadas e, não raro, marcar um golzinho salvador nos acréscimos. Daí vem o erro no valor que as pessoas atribuem ao guitarrista John Frusciante, que estava de volta ao grupo. Ele havia empunhado as seis cordas em “Blood Sugar…” e “Mother’s Milk”, mas se ausentara de “One Hot Minute”, que trouxe Dave Navarro para a posição. Os fãs frusciantes da banda torceram o nariz e o regresso do guitarrista para “Californication” foi saudado como uma reedição das glórias passadas. A banda, no entanto, propunha uma mudança mais profunda, além da presença ou não de um guitarrista.

 

As tais “canções semi-chatas” se traduziram numa escolha consciente dos Chili Peppers por uma fórmula de hit de FM desprovido de energia, embebidos num clima que contraria a sujeira e a loucura que caracterizavam a banda até então. Sujeita e loucura que suscitavam riscos. De alguma forma, já havia traços desta estética asséptica em canções anteriores, como “Under The Bridge” ou “Soul To Squeeze”, quase lentas, mas que guardavam doses inegáveis de sangue nas veias. Não dá pra compará-las com “Scar Tissue”, por exemplo, um dos maiores hits de “Californication”. A chatice é imensa, a repetição, a largação sonora, a esperteza casual. E outras, como “Other side” ou a faixa-título, exacerbam essa preguiça, usando com habilidade as informações pregressas do grupo e diluindo-as neste caldo diet.

 

Veja, nada contra ser diet. Eu sou gordo, entendo bem de dietas, mas elas são chatas e, quando a pessoa passa a viver sob constante dieta, tudo fica mais cinzento e pior. Se antes havia exuberância de baixos e baterias que pareciam querer sair das caixas de som e invadir o espaço, agora tudo parece domesticado, pasteurizado e bunda mole. Até as tentativas de evocar essa sujeira funk rock do passado soa boba, caso de canções como “Get On Top”, que perde feio para os arrasa-quarteirão de “Mother’s Milk” ou de “Blood Sugar”. E toda essa escolha pelo lado mais seguro da rua trouxe uma geração de fãs terrivelmente chatos, gente que vê tanto valor em “Other Side” como em “Natasha”, do Capital Inicial ou em “Regina Let’s Go”, do CPM22.

 

“Californication” é bem produzido e muito eficiente. Tocou muito em rádio, forneceu hits para o catálogo do grupo e lhe deu sobrevida e segurança. Talvez, se entendido como um ato de estabilidade e continuidade – coisas bem burocráticas e cautelosas demais quando o assunto é arte – talvez até tenha seu valor. Para uma banda como o Chili Peppers, no entanto, é uma terrível declaração de passividade e que gerou uma legião de álbuns que ainda diluiram mais este conceito, exceção feita ao mais recente trabalho do grupo, “The Getaway”, de 2016, que trouxe novidades interessantes. “Californication” foi, de uma forma muito clara, o funeral do Chilli Peppers vencedor dos anos 1990.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “A chatice de Californication

  • 10 de junho de 2021 em 00:02
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    Pois é, eu acho uma declaração de bundamolice.

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  • 9 de junho de 2021 em 14:14
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    Eu gostava daquele Red Hot, porra loka dos tempos do subestimado ” Freaky Styley “, depois do ” Blood Sugar…”, larguei, engraçado que os fans ranhetas só idolatram a banda a partir desses álbuns ” Californication “.

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