Entrevistão Titãs

 

 

Os Titãs estão lançando o primeiro de uma série de três EPs nos quais irão dissecar algumas de suas canções. Banda com uma carreira que se confunde com o próprio rock nacional, o ex-octeto hoje se resume ao trio, composto por Branco Mello, Tony Belloto e Sérgio Brito. Os três entraram em estúdio com a missão de dar prosseguimento a uma fase fértil da banda, que lançou há dois anos uma ópera-rock, “12 Flores Amarelas”.

 

Conversei com Sérgio sobre os critérios de escolha das canções dos EPs, como foram feitos os arranjos e o que a banda pensa do momento atual do país.  Ele forneceu boas respostas sobre todo este processo de gravação e dissecação de alguns clássicos dos Titãs, bem como de algumas outras composições que eram preferidas pessoais. Além do lançamento de “Sonífera Ilha”, o primeiro single desta empreitada, ficou particularmente interessante a releitura de “Miséria”, feita pelo próprio Sérgio, ao piano.

 

É provável que gente ainda faça muita coisa que não fez.

 

– Qual o maior desafio desta nova fase acústica dos Titãs?

Sérgio Britto: O maior desafio foi realmente fazer os arranjos com uma formação tão enxuta. Fazer algo que pudesse, de certa forma, fugir daqueles arranjos que foram tão marcantes, né? Tanto no “Acústico” quanto nas versões clássicas das músicas. Essa foi a maior dificuldade.

 

– O primeiro lançamento/clipe desta nova fase é “Sonífera Ilha”. Como ela está aos 36 anos de idade?

Sérgio Britto: Eu acho que “Sonífera Ilha” tá bem. Ela é uma música que envelheceu bem, ela tem uma leveza…a letra tem uma abertura, as pessoas podem ler de várias maneiras…Acho que isso contribui pra ela permanecer viva. Ela tem uma melodia cativante, um ritmo envolvente, é uma jovem senhora muito bem aparentada.

 

– Vocês precisaram se reinventar à medida que o tempo foi passando, enquanto o grupo perdia integrantes. Como foi este processo na questão das composições?

Sérgio Britto: Por sorte, quase todos na banda são compositores. Já fizemos parcerias de todos os tipos, uns com os outros e músicas sozinhos…Obviamente há alguns mais focados na composição, outros na interpretação, cada um tem um jeito. Eu acho que sempre foi uma marca muito forte nossa, todos compomos. À medida que a gente foi perdendo pessoas, obviamente importantes, que contribuíram muito com a banda, não chegou muito a abalar as estruturas do grupo, a gente sempre conseguiu suprir esse lado. Basta dizer que a gente fez uma ópera-rock agora com 25 músicas inéditas há pouco mais de um ano. Nesse quesito a gente sempre teve sobra. Acho que isso foi bom, acho que a gente encarou essas perdas de uma maneira natural.

 

– Qual a diferença que vocês notam da empreitada acústica de 1997 para a de agora? Fora a presença dos integrantes que já saíram da banda, como vocês vêem o público, o país, a própria música dos Titãs?

Sérgio Britto: Não sei se dá pra fazer essa comparação, são tempos muito diferentes. Eu acho que a MTV estava no auge naquela época e a gente não estava num momento muito popular antes de gravar o “Acústico”. O trabalho teve uma penetração impressionante em todas as áreas, foi muitíssimo bem recebido. Eu acho que a gente foi o artista mais popular do Brasil, se você considerar todos os gêneros musicais. Hoje em dia eu acho isso difícil de acontecer com artista do pop ou do rock, as coisas mudaram muito. Hoje em dia os artistas e bandas que funcionam melhor lançam singles, acompanhados de um clipe…há uma outra estratégica de divulgação. Talvez lançar um álbum inteiro não seja a melhor maneira de trabalho hoje em dia…e por aí vai. De lá pra cá passou um bom tempo, então, sei lá…A gente tem muita história, muitas outras músicas fizeram sucesso nesse meio tempo. Aquele foi um momento de pico de vendas de CDs, a indústria fonográfica estava bombando. Hoje em dia a gente deixou de ter uma receita de venda de discos, basicamente o artista trabalha com shows, com om que rende neles. O streaming dá muito pouco para o artista. Tudo mudou.

 

– Quais os critérios de escolha para a seleção de faixas dos EPs?

Sérgio Britto: A gente procurou colocar um pouco de cada coisa nos EPs. Ali tem grandes sucessos, músicas que são importantes na nossa carreira – mas que não são sucessos – e tem alguma coisa individual. Pra exemplificar: nesse primeiro EP tem “Sonífera”, tem “Porque Eu Sei Que É Amor”, mas tem “Miséria”, “Tô Cansado” e tem uma música cantada por cada um de nós – e tocada individualmente. Eu toco “Miséria” no piano, o Tony (Belotto) com
“Querem Meu Sangue”, o Branco, “Tô Cansado”…sozinhos. Depois tem gravações em trio e uma com cinco pessoas, que é “Família”. A gente procurou fazer essa dosagem, pra que o trabalho como um todo estivesse representado nos três EPs.

 

– Da mesma forma que as canções ficam mais velhas, vocês também ficam. O que ainda move os Titãs para gravar, compor etc?

Sérgio Britto: Bom, fora ser a nossa profissão, é a nossa paixão. Eu, pessoalmente, tenho essa obsessão por compor. É algo que eu amo, que eu gosto de fazer. Eu até faria isso se não me desse retorno financeiro nenhum. Eu até estranho essa pergunta, na verdade. É como se você perguntasse pra um médico o que leva ele a exercer a medicina ou pra um jornalista o que faz ele trabalhar como um jornalista. É a nossa profissão, é algo que a gente faria mesmo se não fosse remunerado. A nossa relação com a música é uma paixão de adolescente que a gente vai levar até o fim da vida.

 

– Alguma regravação desta nova fase ficou melhor que o original?

Sérgio Britto: Essa avaliação é difícil de fazer. A ideia era ficar diferente, não necessariamente melhor. Essa ideia é relativa. Vou dar o exemplo da gravação de “Miséria”, que eu acho que ficou muito interessante. Foi piano, voz e percussão, apenas isso. O original tinha samples, programações, a participação de Mauro e Quitéria, é difícil de comparar uma com a outra, mas eu acho que esta ficou à altura da primeira, mas o enfoque ficou totalmente diferente. E acho que teria que ser assim, ou não teria sentido fazer.

 

– Como vocês estão vendo o atual cenário político do país em meio à pandemia e o negacionismo do atual ocupante da presidência?

Sérgio Britto: Eu vejo com tremendo desgosto. É terrível, no meio de uma situação dessas, a gente ver pessoas que representam o povo brasileiro agindo dessa maneira irresponsável. Lamentável.

 

– Como uma banda que se caracterizou por letras inteligentes e vanguarda em termos instrumentais lida com este exercício de rearranjar e adaptar? Como vocês criam estas novas roupagens?

Sérgio Britto: A gente seguiu um princípio, o de fazer as coisas mais cruas, mais despojadas, ficando com os elementos essenciais de cada canção. Partimos disso para fugir do que a gente já tinha feito, instrumentais cheios de guitarras e tal. Este conceito foi o nosso princípio básico. Acho que uma coisa que norteou a gente é que, por exemplo, se você pensar em artistas que fizeram muitas releituras de suas músicas, essa é uma alternativa sempre interessante. Eu lembro daquelas versões de bootlegs e o “Naked”, disco dos Beatles (versão para o álbum “Let It Be”, de 1970, relançada como “Let It Be Naked”) que foi relançado com esse conceito, pegando coisas que foram muito conhecidas e colocar de uma maneira mais despojada, meio como se fosse o cara tocando na sala dele.

 

– O que vocês diriam para quem pensa que os Titãs só estão requentando velhos hits?

Sérgio Britto: Eu não sei o que falta fazer. Falta fazer o que a gente tiver vontade, seja no momento que for. Agora a gente tá fazendo isso, como costumamos dizer, somos uma banda que sempre procura se reinventar e esse trabalho com canção permite muitas possibilidades. Com certeza ainda há muita coisa que a gente não fez e que vai fazer. Acho que assunto não falta e vontade também não. É provável que gente ainda faça muita coisa que não fez.

 

Foto: Silmara Ciuffa

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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