A agridoçura de Arlo Parks chega ao segundo disco

 

 

 

 

Arlo Parks – My Soft Machine
41′, 12 faixas
(Transgressive)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Em 28 de janeiro de 2021, num momento de crise intensa na minha vida, escrevi uma resenha luminosa para o primeiro álbum de Arlo Parks, “Collapsed In Sunbeans” (leia aqui). Nela eu alertava para a lindeza dessa estreia, enfatizando um aspecto muito sutil: Arlo escrevia como uma amiga nossa, alguém que a gente conhece, contando causos e fatos de um cotidiano que nos é familiar. Além disso, a moça, então com 20 anos, se destacava também pela impressionante habilidade na composição de melodias próximas da perfeição. Hoje, pouco mais de dois anos depois, Arlo apresenta seu novo álbum, “My Soft Machine” e precisamos dizer que todas as suas virtudes, expostas em sua estreia, estão, não só presentes neste segundo disco, mas devidamente ampliadas. Além disso, Arlo expandiu também o seu espectro sonoro, atingindo territórios musicais que correspondem ao que seria a sua versão pessoal para o chamado rock alternativo dos anos 1990/00. Ou seja, pessoal: As doze faixas deste novo trabalho estão prontas para receber o ouvinte de braços abertos, como amor e fofura. É só chegar.

 

 

Arlo Parks, no entanto, vivenciou experiências importantes neste espaço de tempo. Como decidiu abrir seu coração em suas canções, revelando, não só detalhes sentimentais, como suas opiniões sobre vários assuntos, ela se tornou alvo fácil da imprensa, que passou a disparar perguntas cada vez mais pessoal, mesmo que a artista tentasse impor alguns limites de assuntos. Além disso, o ritmo de shows e compromissos decorrentes da carreira terminaram por esgotá-la completamente, a ponto de Arlo precisar parar de se apresentar em setembro do ano passado. Outra consequência importante desta nova fase: Arlo mudou-se para Los Angeles, onde reside atualmente com sua namorada, a rapper Ashnikko, de 27 anos. Sobre esta mudança de ares, ela declarou ao jornal The Independent: “Senti a necessidade de uma nova aventura, uma curiosidade, querendo abordar minha criatividade através de uma lente diferente. Eu queria conhecer novas pessoas. Como pessoa criativa, você está constantemente em busca de novas inspirações e, por aí, fui inundada com um novo conjunto de experiências sensoriais, explorando a flora e a fauna de uma nova geografia.”.

 

 

A sonoridade de “My Soft Machine” guarda detalhes interessantes. Produzido pelo mesmo Paul Epworth, o álbum tem uma interessante tendência a abordar sonoridades que vêm do rock alternativo, com a própria Arlo se declarando influenciada por trabalhos recentes dos irlandeses do Fontaines DC, bem como pelos shoegazers clássicos do My Bloody Valentine, sem falar na aproximação com Phoebe Bridgers, que participa do álbum na boa “Pegasus”, porém, surpreendentemente, a canção não tem muito de rock. As guitarras distorcidas aparecem na interessante “Devotion”, a faixa de número três. E há uma belíssima guitarra distorcida e triste no final de uma das mais belas canções do álbum, “Puppy”. Além dela, outras seis faixas são não menos que maravilhosas, mostrando que Parks já é um nome próximo da consolidação junto a um público cada vez mais global.

 

 

“Blades” é uma canção que tem muito de funk’n’pop atemporal, que opta por abrir mão de eletronicidades banais para investir numa melodia belíssima, vocais tranquilos e uma onipresente guitarrinha fazendo chacundum. “Impurities” tem arranjo que evoca certos fraseados melódicos orientais, que vão emoldurando melodia e vocais que vão bailando, enquanto “Purple Phase” evoca mais guitarras noturnas e soturnas para adornar o percurso sonoro que Arlo vai trilhando, lembrando uma versão 2023 de Sade Adu, caso ela estivesse num hipotético segundo disco. “Weightless” é uma das mais belas canções do álbum, com arranjo que exorciza a influência de Massive Attack onipresente em todas as canções que Arlo escreveu desde o primeiro disco. Tudo funciona no arranjo, ainda restando um acento pop para a canção grudar na mente do ouvinte. “Dog Rose” é um momento fofo do álbum, com vocais expressando amor em meio ao cotidiano que envolve lavar louça, gatos que sobrem em colos, catalisadores de sentimentos que desaguam em versos como “quero pertencer a você” soando como consequência natural de tudo isso. “Ghost”, por sua vez, é a mistura perfeita entre Massive Attack e Sade, duas influências realmente muito presentes na obra de Arlo.

 

 

“My Soft Machine” é mais um passo dado pela cantora e compositora em direção a uma posição de protagonismo dentro do cenário mundial. Arlo é muito, muito boa e talentosa. Seu jeito de compor e cantar cativam pela naturalidade e sinceridade. Se tudo der certo, ela vai longe.

 

 

Ouça primeiro: “Dog Rose”, “Weightless”, “Ghost”, “Blades”, “Puppy”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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