Os impressionantes discos nacionais de 1988-1990

 

 

Eu estava pesquisando para escrever sobre o segundo disco do Fausto Fawcett e seus Robôs Efêmeros, “Império dos Sentidos”, quando fiz uma constatação definitiva: o período compreendido entre os anos de 1988 e 1990 foi marcado por um impressionante número de discos de artistas que trouxeram várias alternativas para a música pop nacional. Trabalhos que, se não foram revolucionários em muitos aspectos, significaram renovações, ampliações e que resultaram numa produção muito diversa. Não estamos falando de trabalhos lançados por selos alternativos e obscuros, mas pelas gravadoras multinacionais que dominavam o cenário da produção musical no país – e no mundo. Tal constatação é importante pois vai de encontro a um consenso sobre o período de que o rock brasileiro, até então hegemônico na época, perdeu espaço porque não produziu obras relevantes e de que, por conseguinte, gêneros como o sertanejo e a lambada dominaram o mercado nacional.

 

Não deixa de ser verdade que tais estilos surgiram com força no cenário nacional, especialmente com a ajuda de produções da mídia hegemônica, mas houve esta exuberante e diversificada leva de discos sensacionais, muitos deles esquecidos pelo tempo e negligenciados por conta disso. Alguns deles não estão disponíveis em streaming, tamanho esquecimento. São trabalhos de estreantes, de bandas e artistas já com carreira solidificada, mas que significaram uma mudança de ares na produção destes. Alguns inclusive chegaram a lançar mais de um disco neste período e nós vamos mapeá-los aí embaixo. Boa viagem.

 

Em tempo: vamos evitar mencionar produções bem sucedidas como “As Quatro Estações”, “O Blésq Blom”, “Alívio Imediato”, “Big Bang” e outros discos mais conhecidos, procurando focar na originalidade de trabalhos mais obscuros.

 

 

1988

 

Luni – Luni (Warner) – estreia do grupo paulistano, que tinha, entre outros vários integrantes, Marisa Orth e Theo Werneck. A sonoridade era totalmente pop, herdeira do pessoal da Lira Paulistana, com ênfase nas letras, no humor e no revestimento sonoro, que era de alta qualidade. O grupo só lançou este trabalho.

 

 

Picassos Falsos – Supercarioca (BMG) – segundo disco da banda carioca, que amplia – e muito – o espectro sonoro da excelente estreia, do ano anterior. Tendo o Rio de Janeiro como inspiração, referências a Luiz Melodia, Jimi Hendrix e várias inserções de elementos brasileiros, este álbum antecipou em uns cinco anos trabalhos de grupos como Chico Science ou mundo livre s/a. Um clássico.

 

 

Os Mulheres Negras – Música e Ciência (Warner) – “a menor big band do mundo”, nas palavras de André Abujamra e Mauricio Pinheiro, seus integrantes. Os Mulheres misturavam música brasileira de raiz, interferências eletrônicas, humor universitário e muita esperteza. Neste primeiro disco, estavam esquentando as turbinas mas já marcaram presença com o não-hits “Sub (Yellow Submarine)” e “Milho”.

 

 

Harry – Fairy Tales (Wop Bop) – um dos poucos trabalhos lançados por selos independentes presentes nesta relação. Capitaneado pelo saudoso Johnny Hansen, o Harry marca território no tecnopop nacional com este trabalho, algo impressionante para a época em se tratando de Brasil. Um marco que permanece muito forte.

 

 

Vários – Hip Hop Cultura de Rua (Eldorado) – simplesmente o marco inicial fonográfico do hip hop paulistano, lançado em fevereiro de 1988. Participam artistas como Thaíde & DJ Hum (“Corpo Fechado” e “Homens da Lei”); Akira S, da banda Akira S e as Garotas que Erraram, produz as faixas do grupo O Credo (“O Credo” e “Deus, a Visão Cega”); Dudu Marote, que se consagraria, nos anos 1990, como produtor de discos de sucesso de bandas como Skank e Jota Quest, produz as músicas de MC Jack (“Centro da Cidade” e “Calafrio”) e do Código 13 (“Gritos do Silêncio” e “Código 13”). Músicos como André Abujamra e Raul de Souza também estão presentes no álbum.

 

 

Ed Motta e Conexão Japeri – Ed Motta e Conexão Japeri (Warner) – ponto de partida da carreira de Ed Motta, então com 17 anos. Surgido como um herdeiro de Tim Maia – algo que ambos desprezaram várias vezes – Ed se apropria de elementos do funk brasileiro setentista, então ignorado completamente pela mídia e traz a aura dos bailes black de subúrbio para as paradas de sucesso com “Manuel” e “Vamos Dançar”.

 

 

TNT – TNT (RCA) – segundo disco da banda gaúcha tinha até participação de Lulu Santos na faixa de abertura – “Não Vai Mais Sorrir (Pra Mim)” e um adorável hit single de curto alcance: “A Irmã do Doctor Robert”. Rock gauchesco, jovemguardista e feliz da vida.

 

 

Nouvelle Cuisine – Nouvelle Cuisine (Warner) – um impressionante lançamento de um grupo de jazz tradicional americano por uma gravadora multinacional. Liberado pelo cantor Carlos Fernandes, o Nouvelle Cuisine deu suas versões de clássicos do estilo como “My Funny Valentine” e “Embraceable You”. Em 1991 lançou um segundo disco ainda mais sensacional, “Slow Food”, que também trazia releituras para canções de compositores brasileiros.

 

 

 

1989

 

Edgard Scandurra – Amigos Invisíveis (Warner) – fruto de uma exigência contratual do Ira!, o disco solo do guitarrista Edgard Scandurra chegou em 1989 com o músico tocando todos os instrumentos e mostrando canções de seu grupo, algumas inéditas e uma cover brilhante para “Our Love Was”, do The Who. A versão dele para “Abraços e Brigas” é um dos pontos altíssimos do disco.

 

 

DJ Marlboro – Apresenta Funk Brasil (Polygram) – este é o marco zero fonográfico do funk carioca e chegou a 250 mil cópias na época do lançamento, setembro de 1989. Daqui saíram clássicos atemporais como “Rap das Aranhas” (Cidinho Cambalhota) e o “Rap do Arrastão” (Ademir Lemos).

 

 

Fausto Fawcett e Robôs Efêmeros – Império dos Sentidos (Warner) – a gente fez texto sobre este álbum e o que você precisa saber sobre ele é que trata-se de uma obra muito mais sombria e consistente que a sensacional estreia, ocorrida dois anos antes. Leia mais aqui.

 

 

Inimigos do Rei – Inimigos do Rei (CBS/Sony) – a banda que faria muito sucesso entre as crianças e adultos na virada da década, agregando inclusive fãs órfãos da Blitz. Com Paulinho Moska entre os integrantes, os Inimigos cravaram dois sucessos na época: “Uma Barata Chamada Kafka” e “Adelaide”, esta última, cover de Run DMC. O som deste disco tem uma inegável pegada funk rock, algo que era bem moderno em termos de sonoridade feita lá fora naquele momento.

 

 

Lulu Santos – Popsambalanço e Outras Levadas (RCA) – falando em Lulu Santos, ele soltou o seu disco mais complexo até então, com influências de samba rock e ritmos brasileiros. Até hoje é um trabalho esquecido e cheio de boas intenções e com ótimos momentos, como a faixa “Brumário”, que chegou a arranhar as rádios.

 

 

João Penca e Seus Miquinhos Amestrados – Sucesso do Inconsciente (Esfinge) – era o quarto disco dos Miquinhos, já em decadência criativa. Mesmo assim o álbum rendeu o belo hit “Matinê no Rian”, com participação de Paula Toller e o inesperado “SOS Miquinhos”, que varou as rádios com um medley de versões desbocadas de sucessos da jovem guarda. Clássico às avessas.

 

 

Casseta e Planeta – Preto com um Buraco no Meio (Warner) – o disco da trupe de humoristas globais foi um dos grandes sucessos de 1989, especialmente pelo hit “Mãe é Mãe”, cuja letra hoje seria impossível. O legal era ouvir Bussunda imitando Tim Maia e o instrumental bacanudo ao longo do disco. Além dela, o semi-hit “Tô Tristão”, um “samba-exaltação” com letra sub-16, fez barulho nas rodinhas.

 

 

Skowa e Máfia – La Famiglia (Eldorado) – estreia da superbanda funk de Skowa, que já havia participado do sensacional combo caribenho-paulistano Sossega Leão. A Máfia vinha com um som estilizado, contava com participação de Ed Motta nesta estreia e fez da recriação de “Atropelamento e Fuga”, originalmente de Akira S o grande hit de sua carreira, com direito a clipe sensacional. Ano seguinte lançaria o álbum “Eppur Si Muove”, cuja canção “Atitude” também teve clipe na MTV, mas nada tão legal quanto o primeiro trabalho.

 

 

Marisa Monte – MM (EMI) – simplesmente a estreia de Marisa Monte, com pompa e circunstância. Apadrinhada por Nelson Motta, gravando disco com um leque de canções que iam de versões de jazz clássico a sambas velhuscos, clássicos nacionais e versões de pop italiano, este álbum também foi lançado na TV, com um especial na extinta TV Manchete. “Bem Que Se Quis” e “Chocolate”, por exemplo, varreram o dial nacional de norte a sul naquele 1989.

 

 

 

1990

 

– Que Fim Levou o Robin? – “Aqui Não Tem Chanel” (Warner) – formado por Mauro Borges (voz) e Renato Lopes (bases e samplers) no Rio de Janeiro, certamente foi um dos pioneiros do techno no Brasil. Seu único LP “Aqui não tem chanel”, emplacou “Que fim levou Robin?”, com o Menino Prodígio como ‘go-go boy’, e “Tia”, em homenagem às ‘drag queens’. Borges faleceu em 2018.

 

 

– Fernanda Abreu – SLA Radical Dance Disco Club (EMI) – já falamos desse clássico (aqui) da dance music nacional, que mostrava total sintonia com o que era feito lá fora por gente como Neneh Cherry e Soul II Soul. Foi o pontapé inicial na carreira solo de Fernanda, cheia de acertos e coisas bacanas.

 

 

– Inimigos do Rei – Amantes da Rainha (CBS/Sony) – segundo e último álbum do grupo carioca confirmou a máxima sobre a mesma piada ser contada mais de uma vez. Mesmo que as canções aqui sejam bem mais pesadas que na estreia, a falta de um hit selou o destino do álbum. Apenas a canção “Carne, Osso e Silicone” fez algum barulho via clipe na MTV.

 

 

– Ed Motta e Conexão Japeri – Um Contrato Com Deus (Warner) – se a estreia de Ed foi protocolar, no sentido pop do termo, aqui ele entabula um disco conceitual, mistura quadrinhos – uma de suas paixões – arranjos complexos e inspirações em ícones como Curtis Mayfield e Marvin Gaye. Teve hit – “Solução” – e uma de suas mais belas gravações até hoje: “Sombras do Meu Destino”.

 

 

– Os Mulheres Negras – Música Serve Pra Isso (Warner) – os Mulheres vinham com um disco muito mais bem produzido e investindo pesado nas linguagens visuais, além do combo de influências sonoras de sempre. O maior exemplo dessa mistura era “Só Tetele”, hit do álbum, cujo clipe era um preferido deste escriba lá na aurora da MTV Brasil.

 

 

– Cassia Eller – Cassia Eller (Universal) – estreia da cantora carioca, uma verdadeira carta de intenções. Sua versão para “Por Enquanto”, da Legião Urbana, entremeada com “I’ve Got A Feeling”, dos Beatles, varreu o país e mostrou a todos a capacidade vocal da moça. Além dela, interpretações para Itamar Assumpção (“Já Deu Pra Sentir”), Cazuza (“Que O Deus Venha”) e outra de Lennon e McCartney: “Eleanor Rigby”.

 

 

– Adriana Calcanhoto – Enguiço (CBS/Sony) – outra estreia, dessa vez, da cantora e compositora gaucha, que veio badaladíssima pelo hit “Naquela Estação” (até hoje uma de suas gravações mais belas). Considerado equivalente ao debut de Marisa Monte, este álbum também tem versões ecléticas, partindo de “Sonífera Ilha” (Titãs), chegando a “Caminhoneiro” (Roberto Carlos) e “Disseram Que Eu Voltei Americanizada” ( Luís Peixoto e Vicente Paiva, famosa na voz de Carmen Miranda).

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Os impressionantes discos nacionais de 1988-1990

  • 25 de junho de 2021 em 14:01
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    Exatamente, é de 1988, lançamento BMG. Eu acho que vou fazer uma outra lista.

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  • 25 de junho de 2021 em 12:03
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    Legal, varias lembranças, me tire uma duvida o Black Future lançou disco nesse período?

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