Zerei Grey’s Anatomy. E agora?
Sim. Foram mais de 300 episódios, dispostos em 15 temporadas, todas assistidas via Netflix. Sou, portanto, um fã recente de Grey’s Anatomy. A série começou a ser exibida em 2005 e segue em cartaz na TV americana e em várias retransmissoras ao redor do mundo. E já temos a confirmação de uma nova temporada, que estreia no dia 26 de setembro próximo. Já são 342 episódios e, pelo menos, duas outras séries que se comunicam com o universo de Grey’s – Private Practice e Station 19. Não é pouca coisa, convenhamos. A responsável por tudo isso é a produtora e roteirista Shonda Rhimes. Repito, não é pouca coisa.
Enquanto espero pela chegada dos novos episódios, resolvi dividir este espaço aqui com a enorme de quantidade de fãs da série, igualmente – e momentaneamente – órfãos. Pra quem nunca viu, Grey’s Anatomy narra o cotidiano de jovens médicos de um hospital em Seattle, desde o ingresso de um grupo de estagiários em 2005, a saber, Meredith, Cristina, Izzie, George e Alex, entre outros. Este cinco irão interagir e lidar com os médicos cascudos do hospital Seattle Grace. Richard Webber, Derek Shepherd, Preston Burke e a residente Miranda Bailey. Se você pensa que eu dei algum spoiler com estas revelações, saiba que ver Grey’s é ter em mente que TUDO MUDA. Sendo assim, posso dizer que, desde grupo inicial de personagens, menos da metade está presente ao fim da última temporada. E paro por aqui, antes de dar reais spoilers.
O problema de falar sobre a série é que, justo pela mudança em seu elenco e pela torrente de fatos que se sucedem, é virtualmente impossível não dar spoilers. Novos – e adoráveis – personagens irão surgir gradativamente, enquanto outros, igualmente queridos, deixarão a série, seja por morte ou por guinadas no roteiro. É preciso estar preparado e não se apegar muito. Também é necessário saber que muitos mudarão totalmente de postura e de personalidade, quase sempre para melhor. Sendo assim, pessoas que são nojentas e desprezíveis de início, poderão se tornar sensacionais com o afago do tempo. Opa, olha o alerta de spoiler aí.
Você vai ter seus personagens preferidos e vai chorar por eles. De alegria e de tristeza, é inevitável. E eu posso dizer um pouco mais sobre a trama. Meredith, vivida pela atriz e produtora Ellen Pompeo, é filha de uma famosíssima cirurgiã e resolve seguir seus passos no oficio. A mãe, Ellis Grey, está internada num asilo, sofrendo de Mal de Alzheimer, num estágio bastante avançado. Posso dizer que a relação de Merê (como eu a chamo carinhosamente) com a mãe é uma das constantes de toda a série. E sobre isso de dar um apelido carinhoso para um personagem da série é algo inevitável. Grey’s está no ar há mais tempo que qualquer outra série sobre médicos. Já são quinze anos em que somos apresentados aos fatos da vida dessa gente, é inevitável não se identificar com muitos deles e querer saber mais. Como se eles fossem nossos parentes. E a ideia é essa.
Shonda Rhimes conseguiu criar uma série em que não há vilões. Estes, a meu ver, são os mais complexos feitos em cinema, Tv, teatro, o de oferecer ao espectador a chance de ver gente lidando com os pequenos vilões do cotidiano, aqueles que estão dentro de nós mesmos, que nos atrapalham por vários motivos. Grey’s é assim, sem vilões, mas é cheia de gente imperfeita, que se atropela, que erra, que tenta novamente, que volta, vai, vem e, às vezes, vai embora.
Mesmo mostrando o cotidiano de gente bem abonada – médicos, top de linha – Grey’s escapa do rótulo de “white people problems”, mostrando minorias e grupos muito segregados pela sociedade ocidental. Ao longo dos episódios você verá resistência contra o racismo, o nazismo, o preconceito, a homofobia e incontáveis momentos em que a família afetiva será exaltada, a que formamos ao longo da vida, não necessariamente com pessoas do mesmo sangue. Verá médicos indo contra o sistema, sonegando seguros-saúde para ajudar gente que não pode pagar, burlando regras em favor do paciente e aprendendo com as injustiças do dia a dia. Verá negros em posição de chefia, casais LGBTQ com filhos adotados, casal hétero com filha adotada, refugiados sendo tratados, programas de assistência a locais pouco assistidos, paramédicos lutando contra fatalidades e verá, como tudo na vida, muita morte. Vai ter explosão, incêndio, terrorismo, terremoto, nevoeiro, nevasca, talvez até invasão extraterrestre.
E vai ter um episódio – entre muitos – absolutamente fenomenal. Shonda Rhimes tem a mania de dar títulos de músicas aos episódios, então, na segunda metade da décima-quinta temporada, você verá “Silent All These Years”, canção de Tori Amos, dar nome a uma das mais impressionantes defesas da integridade feminina. Uma vítima de violência e estupro chega ao hospital e as médicas explicam sobre a possibilidade de denunciar o agressor, algo que ela não quer fazer de início. Ao mesmo tempo, uma das médicas enfrenta um problema semelhante em sua vida pessoal e, num outro plano, uma outra médica e seu marido ensinam ao filho pequeno como lidar com as garotas, como respeitá-las e como agir. É tudo absolutamente perfeito, coreografado, singelo e duríssimo ao mesmo tempo, um verdadeiro ato de amor às mulheres que passam por este inferno em qualquer sociedade.
Até ver Grey’s Anatomy, meu mais honroso feito em seriados de hospital era chorar vendo “Orion In The Sky”, do sensacional E.R. Nele, o Doutor Greene, que tem um tumor cerebral, percebe que não conseguirá trabalhar por muito mais tempo, visto que está perdendo sua coordenação motora. Médico medalhão do hospital, Greene enfrenta o último plantão, cuidando de pacientes comuns, antes de ir embora. Para sempre.
Grey’s Anatomy é surpreendente. Vejam, tenham paciência e sintam saudade.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.