Waxahatchee – Saint Cloud
Gênero: Folk, rock alternativo
Duração: 40 min.
Faixas: 11
Produção: Brad Cooke
Gravadora: Merge
Senhoras, senhores, demais leitorx: que disco lindo. Talvez você nunca tenha ouvido falar em Waxahatchee, muito menos em sua idealizadora, a cantora, compositora Katie Crutchfield. Assim como sua irmã gêmea, Allison, Katie é uma das representantes deste novo folk-rock-alternativo americano que surge e se transforma sob as grandes e médias cidades do país, com ênfase na Costa Leste. Katie e Alison são de Birminghan, Alabama, e Waxahatchee é o nome de seu projeto musical, inicialmente chamado de “bedroom pop” quando surgiu, há oito anos. O tempo fez com que o “grupo” fosse um veículo para a expressão de Katie, não importando muito o formato musical que fosse escolhido. Sendo assim, ela já passou do lo-fi para o rock alternativo de matriz grunge, chegando agora ao seu melhor trabalho, “Saint Cloud”, no qual ela encarna uma musica alt-country esclarecida, confessional e extremamente talentosa.
Katie declarou que este era um álbum sobre ficar sóbria e recuperar o caminho certo a ser seguido. Seja lá o que isso signifique, a moça resolveu embarcar numa viagem solitária – de carro – da Filadélfia até o delta do Mississippi, com atalhos que passavam em Barcelona, Espanha. Ou seja, o disco foi maturando pelos caminhos que a moça escolheu para se reencontrar e para ver – rever – lugares, pessoas e experiências. O disco foi gravado no verão de 2019, entre Nova York e o Texas, mostrando que sua sonoridade e conceito são amplamente atuais e devedores da própria noção que podemos ter de Estados Unidos, pelo menos em aspectos musicais e líricos, como os contidos por aqui. O resultado é um disco extremamente bem feito, pensado e espontâneo ao mesmo tempo.
O que “Saint Cloud” atesta, sem falhas, é o talento absoluto de Katie como compositora e cantora, além de sua versatilidade. São canções de espaço aberto, de audição na rua, na chuva, na fazenda. Infelizmente, a atual condição de isolamento social por conta da pandemia, prejudica a fruição completa destas onze canções. Quase todas, mesmo as mais introspectivas, soam como um fundo musical natural para andanças. Se Katie queria um disco sobre viagens e redescobertas, conseguiu transmitir este espírito para todas as canções. Os parâmetros de inspiração oscilam entre Fleetwood Mac, Lucinda Williams, algo de Wilco fase “Being There” e essas sonoridades maravilhosas, empoeiradas, de estrada.
Canções extremamente belas surgem por aqui. “Hell” é um achado, vocal, lírico e com arranjo com violões eloquentes e uma melodia que pede desesperadamente por um nascer do sol, chegando a lembrar algo que Dylan poderia ter composto no início dos anos 1990. “Witches” tem uma levada mais simples e linear, mas cheia de guitarras pontuando a melodia, exalando abraços. “Can’t Do Much” é quase uma canção de Tom Petty, com instrumental lindo e simples, novamente com guitarras pontuando lindamente. “Lilacs” tem uma citação muito discreta do riff de “Suspicious Minds” e também tem DNA dylanesco. “Fire” é mais introspectiva, mas abre janelas e varandas sobre o silêncio do coração, mostrando um registro agudíssimo de Katie, que só contribui para aquele momento que antecede o choro. Ou o riso. “Ruby Falls” é uma balada aveludada, quase com revestimento de FM setentista, mas esconde sob seu arranjo uma dor/descoberta enormes, algo que é perceptível pela lindeza do instrumental. “War” é outro ponto lindíssimo e altíssimo do disco, novamente com o fio de voz intencional, que mistura fragilidade, força e resistência, tudo numa canção.
“Saint Cloud” não só é o mais belo disco de Waxahatchee, mas é um concorrente natural e sincero à lista de melhores álbuns deste estranho 2020. Penso que os participantes desta seleção de melhores serão testados e aprovados sob intensas circunstâncias. Ouça. É um desfile de belas e sinceras canções.
Ouça primeiro: “Hell”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.