Você precisa ouvir Joel Culpepper

 

Joel Culpepper – Sgt.Culpepper

Gênero: Soul, funk

Duração: 42:55min.
Faixas: 11
Produção: Swindle, Raf Rundell, Tom Misch & Guy Chambers
Gravadora: Pepper

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

Prestem atenção porque vocês estão diante do surgimento de um monstro da música negra. Se tudo der certo, Joel Culpepper, inglês de Londres, ganhará, diante dos nossos olhos, fama e reconhecimento pelo que está começando a fazer neste seu primeiro disco. “Sgt.Culpepper” tem a marra de aludir a uma das mais belas obras musicais de todos os tempos em seu título e, de uma forma muito segura, não ter qualquer outra relação com a estética que ela trouxe lá em 1967. A onda de Culpepper é o soul/funk em suas mais belas expressões ao longo do tempo. Tem James Brown, Marvin Gaye, Isaac Hayes, Donny Hathaway, Prince, Lauryn Hill e Janelle Monae como influências e inspiração ao longo das 11 faixas do álbum, de um jeito original, arrojado e muito inglês, quebrando uma das regras não-escritas da black music, a de que inglês não sabe fazer soul ou funk. Culpepper, que já teve seu tempo de vida no Bronx, mas voltou pra Londres, prova que é possível um sujeito como ele se sair com uma pequena obra-prima black como este “Sgt. Culpepper”.

 

Joel faz uma opção bem ousada, especialmente em termos de 2021: não há um traço de rap ao longo do álbum. Sua escolha recai sobre as estruturas clássicas da black music, especialmente a setentista/oitentista, levando em conta que, desta última década vem um dos discos que transcendem o tempo, caso explícito de “Sign O’The Times”, de Prince. A estética do baixinho de Mineápolis é aproveitada com sucesso por aqui, dando às canções uma vibração moderna mas “de um outro tempo”, se é que vocês me entendem. A ausência dessas mutações mais recentes – rap, trap e congêneres – dá um verniz clássico a “Sgt Culpepper” sem conferir a ele a etiqueta de “Vintage Soul”, como alguns poderiam pensar. A música que sai das caixinhas de som tem o talhe atemporal dos colossos que estão lá no primeiro parágrafo. Joel vem se juntar – e ultrapassar – à prateleira de caras legais como Leon Bridges e Curtis Harding, jovens e importantes cantores/compositores negros da atualidade, que estão fazendo grande música. Você tem que correr atrás de todos eles pra ontem.

 

Comentar essas canções é refrescante e me enche de fé. Veja “Kisses”, por exemplo, lá no meio do disco. É sacana – fala de um cara que precisa tomar uma ducha fria logo cedo porque ainda sente os beijos da noite anterior por todo o corpo. Além disso, Culpepper vai fundo na encruzilhada Prince + Zapp, com falsete e baixão sintetizado, tudo arrematado por uma batida matadora, de dar inveja em gente como Mark Ronson e similares. Em “W.A.R”, Joel emula um daqueles racha-assoalho típicos de James Brown, mas também lembra de como Janelle Monae soube usar a mesma referência em seu ótimo álbum “Dirty Computer”. Ou seja, só pensa que a música de Culpepper é vintage quem não tem a menor ideia do que está ouvindo. Eu falei que o álbum não tem rap, mas tem sampling muito bem mandado, caso de “Bennie And The Jets”, que é usada em “In Your Sex”, outra canção sacana e tipicamente princeana, com toques de bandas setentistas tipo Wild Cherry ou Rare Earth.

 

Mas este não é um disco só de sacanagem. Culpepper vai pesado na injustiça e na opressão que pairam sobre negros e minorias. Em “Bodies” ele tem a malandragem de mixar sons de uma perseguição policial real no meio da melodia, resultando um efeito sensacional, enquanto decola em referências muito explícitas ao Marvin Gaye de “Inner City Blues”. Na abertura, em meio a guitarras em wah-wah e mais referências a Marvin, ele desfila “Tears Of A Crown”, fazendo menção a Smokey Robinson e narrando sua vida de dificuldades e desafios vencidos para estar cantando no microfone que captou sua voz para que pudéssemos ouvir. “Return”, logo em seguida, tem linha de baixo matadora, teclados espaciais e vocais indistintos mixados, lembrando alguma faixa noventista matadora de um Montell Jordan ou similar. Tudo funciona perfeitamente até o fecho com “Black Boy”, a mais positiva canção presente no álbum, outro pequeno colosso de produção, cheia de vocais de apoio e guitarras minimalistas que vão marcando a melodia, desaguando numa narrativa de perseverança dos rapazes negros em busca dos objetivos. O resultado lembra a grandiosidade de uma “Wake Up Everybody”, clássico de Harold Melvin & The Bluenotes lá de 1975, misturado com “Past Time Paradise”, de Stevie Wonder, versão 1976.

 

Joel Culpepper só está em seu primeiro disco, gente. Ouçam, recomendem, passem adiante porque estamos vendo, repito, se tudo der certo, o surgimento de uma estrela. E você saberá bem antes dos outros que ela já está brilhando.

 

Ouça primeiro: não dá pra pular uma só faixa, vá com fé.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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