UB40 nos anos 1980

 

 

 

Em janeiro de 1988, o octeto inglês UB40 subiu num palco brasileiro pela primeira vez. Eu estava na plateia do primeiro Hollywood Rock, na Praça da Apoteose, e vi, além deles, Paralamas do Sucesso e Simple Minds. Dos três, o UB40 era o menos conhecido do público, ainda que chegasse ao festival como, simplesmente, a banda de reggae mais bem sucedida do mundo. A fama do grupo era mundial já naquele tempo, incluindo aí os Estados Unidos, sempre um mercado complexo para bandas inglesas. O disco que o UB vinha divulgando em turnê era a celebração de sua mais recente turnê, que passara, inclusive, pela URSS. O título: “Live In Moscow”. O clima: russos em plena perestroika (trocadilho intencional), descabelados ao som do reggae anglo-jamaicano, com direito a locutor local anunciando as canções e tudo mais. Eram tempos diferentes, pessoal.

 

Havia uma grande expectativa pelo encontro do UB40 com os Paralamas. Era uma relação de criador e criatura, uma vez que os ingleses eram uma das maiores influências dos brasileiros àquele tempo. Basta uma ouvida em “O Beco”, faixa do quinto disco dos Paralamas, “Bora Bora”, pra notar o decalque absoluto do arranjo, os metais, os sintetizadores, até a letra engajada. Tudo é tipicamente formatado pelo padrão criado pelos nativos de Birmingham no início da década de 1980. Certo que é injusto e impreciso citar o UB como a única influência dos Paralamas, uma vez que esta talvez seja uma das bandas mais misturadas do mundo, com caldeirão comportanto de Led Zeppelin a Jorge Ben. Mas, se há um padrão de reggae contemporâneo oitentista, quem tem a honra de assinar embaixo disso é o octeto inglês.

 

O UB40 começou a carreira no início de 1979. A Inglaterra era uma ilha de desempregados em potencial, contando, a partir de maio daquele ano, com Margaret Thatcher no governo. Brancos da classe trabalhadora e negros descendentes de (e) imigrantes das ex-colônias inglesas na África e no Caribe, compunham a massa da população que foi atingida em cheio pelas medidas neoliberais do novo governo, que restringiu severamente os benefícios assistenciais e sociais. A sigla que dá nome ao grupo é a abrevição de “unemployment benefit 40”, algo como “seguro-desemprego, formulário 40”. Esta condição unia os futuros integrantes do grupo, a saber, os irmãos Ali e Robin Campbell nas guitarras e vocais, o percussionista Norman Hassan, o baixista Earl Falconer, o baterista Jimmy Brown, o tecladista Mickey Virtue, o saxofonista Brian Travers e o cantor e toaster Astro Wilson.

 

Era o tempo das bandas two-tone, que tinham a mesma formação miscigenada, mas tocavam ska. Era um som tão importante quanto, chegando inclusive a se transformar na marca registrada da Inglaterra da época, junto com o pós-punk. O ska, assim como o reggae, era um ritmo que captava melhor a questão social do imenso contingente de negros desempregados, mas que levaram para a Velha Ilha as suas tradições culturais. Os integrantes do UB40, antes de serem membros de uma banda, eram moleques que se divertiam nos soundsystems da cidade, festas dadas por jamaicanos e seus filhos em grandes conjuntos habitacionais. Era uma refavela britânica, com consequências irreversíveis. O amor pelo reggae e o engajamento pela denúncia contra o desemprego e o preconceito racial são marcas do início da carreira do UB40. Com esta visão em mente, eles estrearam em disco já em 1980, com “Signing Off”, um trocadilho com o próprio nome da banda.

 

Com este álbum e com a ajuda de Chryssie Hynde, que os convidou para abrir os shows dos Pretenders na época, eles já chegaram nas paradas inglesas da época com o pé na porta e iniciaram uma sequência matadora, com um disco por ano, até 1986, quando soltaram o sexto trabalho, o ótimo “Rat In The Kitchen”. Eles já eram a banda de reggae mais bem sucedida do planeta. Deste intervalo de seis anos vem a melhor música já produzida pelo grupo. E foi com este clima e nesta fase que o UB40 chegou ao Brasil para aquele show na Praça da Apoteose. Até então eu não tinha nenhum título do grupo na minha nascente discoteca, mas, poucos dias depois, o álbum ao vivo na URSS e “Rat In The Kitchen” já estavam em alta rotação na minha velha vitrola.

 

O que era mais bacana no UB40 era a perfeição pop oculta sob o instrumental reggae convincente. O disco de 1983, “Labour Of Love”, é uma iluminada coleção de covers de velhas canções de reggae e R&B. Dali vieram dois sucessos matadores do grupo: “Red Red Wine” e “Cherry Oh Baby”, com “Please Don’t Make Me Cry” surgindo como preferida pessoal. O disco ao vivo de 1983, intitulado simplesmente “UB40 Live”, é uma aula de contato com o público em meio a um desfile de repertório que surgia como um pequeno tesouro para aquela juventude multirracial. Neste disco, inclusive, ficam latente os dois lados que compunham a belezura da banda em seu início de carreira: a levada doce e romântica de “Love Is All Is Alright” e a contestação social de “One In Ten”, que fazia alusão ao levantamento da quantidade de jovens desempregados na Inglaterra daquele tempo, “um em dez”, com refrão dizendo: “eu sou um em dez, um número numa lista, eu sou um em dez, eu não existo, mesmo estando lá, uma estatística, uma lembrança para um mundo que não liga”. Pense bem na triste atualidade que este verso quase quarenta anos depois.

 

O UB40 voltou ao disco em 1988, com um álbum homônimo que já não tinha o mesmo brilho dos anteriores, mas ainda segurava as pontas. À medida que a década chegava ao fim, o grupo lançava uma coletânea de sucessos e outra edição do “Labour Of Love”, com mais covers. Seu sucesso mundial arrebatador chegaria em 1992, quando lançou uma versão para “Can’t Help Falling In Love”, famosa na voz de Elvis Presley. Na verdade, era a consolidação de um caminho do grupo rumo a uma sonoridade mais pop.

 

Apesar deste último parágrafo, o vocalista Ali Campbell (desde 2008 fora do grupo, substituído por seu irmão, Duncan) diria em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, por conta da visita da banda ao Brasil em 1999:

“Só quem diz que nossa banda é pop são os críticos musicais brancos de classe média”.

E agora?

 

Mesmo assim, os primeiros dez anos do UB40 seguem como um tesouro prestes a ser descoberto por quem esteja disposto a cavar. A recompensa é garantida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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