Três vezes dez, a estreia do Pearl Jam (Parte 1/3)

 

 

 

É irônico saber que a banda que tem 30 anos de estrada chegou a ser considerada uma armação mercenária. Até Kurt Cobain ajudou a construir essa narrativa sobre a Pearl Jam. A questão é como se conta a história da banda.

 

De fato, a Pearl Jam começou a existir pouco antes das gravações do primeiro álbum em 1991. Mas se juntarmos suas peças, o passado pode ser mais longo.

 

Seu núcleo consistia na dupla Jeff Ament (baixo) e Stone Gossard (guitarra). Eles estavam juntos desde sua participação na Green River, banda essencial na formação da cena grunge de Seattle. A diluição da Green River leva Ament e Gossard a integrarem a Mother Love Bone. A morte do vocalista Andrew Wood em 1990 destroça a banda. Mesmo com um álbum (Apple) pronto, Ament e Gossard decidem encerrar os trabalhos.

 

Mike McCready era, como Ament e Gossard, um fã de hard rock e metal. Chegara a interromper seus planos de guitarrista depois de tentar a sorte em Los Angeles. Com a volta a Seattle, anima-se a integrar a Love Chile, banda com pendor para a psicodelia. Gossard assiste um de seus shows, maravilha-se com uma cover de Stevie Ray Vaughan e o convida para alguns ensaios. Pouco tempo depois, Ament reaproxima-se.

 

Desses ensaios do trio surgem gravações que contam com a participação de Matt Cameron, baterista da Soundgarden, outra personagem chave da cena de Seattle. Desde aí, a história continua em dois caminhos.

 

Chris Cornell, vocalista na banda de Cameron, estava trabalhando em composições inspiradas pela perda de Wood, de quem era amigo próximo. O encontro com os outros quatro resultará no projeto Temple of the Dog, título também do álbum gravado no final de 1990.

 

O outro caminho da história vai alcançar um cara chamado Eddie Vedder, em San Diego. A banda onde Vedder cantava era a Bad Radio, com seu estilo onde cabiam canções acústico-pop e funk-rocks à la Chili Peppers. Formada em 1987, não durou mais de dois anos. Vedder acompanhava a cena musical californiana e por esse canal chegou a suas mãos a fita cassete com cinco músicas gravada pelo quarteto de Seattle.

 

Vedder registrou sobre três das músicas instrumentais o vocal com suas letras. Enviou a fita de volta para Seattle e em seguida foi chamado para os testes. A essa altura, outubro de 1990, Dave Krusen, referendado pelo trio de cordas, já havia ocupado o lugar de Cameron nas baquetas.

 

A química funcionou entre os cinco caras, que passaram naquele mesmo mês por uma primeira prova ao vivo, quando apresentaram oito músicas, cinco das quais estariam em Ten. Outras composições surgiram nos meses seguintes, testadas em poucos shows durante duas semanas, abrindo para a Alice in Chains. Em março e abril de 1991 eles gravaram o álbum. E apostaram todas as suas forças nele.

 

Portanto, dá para dizer que a Pearl Jam é o resultado do encontro autêntico entre diferentes trajetórias. A palavra “renascimento” foi invocada: Ament e Gossard reerguendo-se após a morte de Wood, McCready realizando-se em novas parcerias, Vedder encontrando o grupo no qual sua voz e composições ganhariam expressão e que rapidamente reconheceria seu protagonismo.

 

Talvez a implicância de Cobain estivesse repercutindo algo da diversidade que existia no “som de Seattle”. O composto de punk e metal que é ordinariamente usado para definir o grunge não consistia em uma mistura homogênea. Mesmo uma divisão simplificada já é o suficiente para apontar para algumas diferenças e divergências.

 

Cobain e a Nirvana pertenciam ao setor marcado mais pelo punk, não apenas sonoramente, mas também na sua desconfiança em relação ao showbizz. A Sub Pop, gravadora local e independente, servirá para aglomerar esse setor, que tinha na Mudhoney uma de suas principais expressões. O vocalista dessa banda já participara da Green River, que começara fazendo um som sujo e pouco comercial.

 

Uma das razões para a Green River ter naufragado eram exatamente as divergências entre Arm, de um lado, e Ament e Gossard, de outro. Fãs de Kiss e Venon, Ament e Gossard vão ter espaço na Mother Love Bone para cultivar a vertente metal do grunge, também representada por Soundgarden e Alice in Chains.

 

No caso da Mother Love Bone, a opção foi por uma sonoridade mais limpa, com andamentos menos rápidos, costurando riffs a grooves para gerar uma proposta que vai atrair a atenção de algumas majors (a banda assinou com a Polygram). Por cima disso, a voz de Wood, em vários registros semelhante à de Axl Rose. Na pior das hipóteses, a banda estaria associada aos decadentes hard rock e glam metal californianos – coisa que o visual de Ament e Gossard em 1989 não desmentiria…

 

Mas o encontro com McCready, Krusen e Vedder provaria que Ament e Gossard eram músicos versáteis. Havia sim continuidades com o estilo da Mother Love Bone, no “som de arena” e no destaque aos solos de guitarra. No entanto, a veia blueseira de McCready, as batidas irrequietas de Krusen e a voz cheia de variações de Vedder levariam a outros resultados.

 

Na capa de Ten, o quinteto aparece fotografado com seus braços unidos no alto, como a dizer: somos um time! Aliás, o basquete era uma referência forte, a tal ponto que por alguns meses a banda tomou o nome do esportista Mookie Blaylock. Foi já na época da gravação do álbum que assumiu o jogo de palavras que nunca mais largaria: Pearl Jam.

 

Restava o desafio de mostrar, dentro e fora do estúdio, a que tinham vindo. E então até Kurt Cobain reveria suas opiniões sobre a banda.

 

No próximo post, comentarei as faixas de Ten. Por ora, a sugestão é a escuta das músicas em versões demo (de 1990), em mixagens provisórias (de 1991) e ainda alguns outtakes das sessões que resultaram no álbum. Essa compilação tem sete músicas além daquelas que entraram em Ten. Outro destaque é “Even Flow”, que na demo tape tinha um andamento menos rápido.

 

 

 

Emerson G

Emerson G curte ler e escrever sobre música, especialmente rock. Sua formação é em antropologia embalada por “bons sons”, para citar o reverendo Fábio Massari. Outra citação que assina embaixo: “sem música, a vida seria um erro” (F. Nietzsche).

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