Três Resenhas: The Smile, Florence + The Machine e The Black Keys

 

 

 

 

The Smile – A Light For Attracting Attention
(XL)
53′, 13 faixas

2.5 out of 5 stars (2,5 / 5)

 

 

 

 

Este é o disco que o fã de Radiohead espera. Um trabalho que “não seja Radiohead”, mas que tenha total identificação com a banda – a ponto de ter 3/4 de integrantes participantes – tanto em termos objetivos como subjetivos e que, ainda por cima, tenha uma “aura jazzística”, algo que os radioheaders dizem adorar. Sendo assim, The Smile é uma espécie de “Mini-Radiohead” e lança o primeiro registro com treze faixas e a pompa de contar com Thom Yorke, Jonny Greenwood e o produtor Nigel Godrich a bordo. O quarto elemento é, neste caso, o baterista Tom Skinner, do grupo Sons Of Kemet. Ao longo das faixas, os temas que são mais caros ao grupo de Oxford – angústia, ansiedade, frustração, pessimismo – vão desfilando aos ouvidos de quem se interessar. E o arcabouço instrumental é naquele esquema: psicodelia cinzenta, algumas guitarras salpicadas aqui, uma bateria diferente disparada acolá e, no centro de tudo, a voz característica de Yorke, amarrando pacote apocalíptico com fecho de ouro.

 

A música do Radiohead vem passando por um processo terrível de envelhecimento à medida em que todo o clima terrível do futuro percebido há quase 30 anos, de fato, se confirmou, dando à sonoridade praticada pelos sujeitos uma sensação de looping até quando há tentativas de reinvenção, caso de discos como “Hail To The Thief” ou o projeto solo de Yorke, “The Eraser”. Em “A Light…” a faixa mais interessante é o single “You Will Never Work On Television Again”, que tem fúria guitarreira e uma inesperada aura punk que dá um tom quase de ineditismo no cânon radioheadiano. De resto, o álbum soa como um … disco recente do Radiohead, algo que a gente nunca sabe se é intenção ou consequência, dadas as circunstâncias. Para fãs e só para fãs.

 

Ouça primeiro: “You Will Never Work On Television Again”

 

 

 

 

 

 

Florence + The Machine – Dance Fever
(Universal)
47′, 14 faixas

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Confesso que, apesar de gostar de muitas coisas que Florence Welch e sua banda já gravaram, eu não esperava muito deste quinto álbum da trupe Florence + The Machine, “Dance Fever”. Tudo bem que a maioria das 14 canções do álbum reproduzem o pop rock de estádio que configurou a carreira da galera, a saber, canções com explosões de refrão, ambiência oitentista revisitada, letras místicas ou de realidade mundo cão sendo superada a partir da persistência, mas, há um grande avanço aqui: Florence aponta alternativas em seu modo de cantar e interpretar as suas criações, brincando com arranjos e abraçando uma tonalidade soturna ocasional, que faz muito bem em vários momentos do álbum.

 

A tal “febre da dança” que dá título ao disco é uma alusão, não só às performances intensas da vocalista, mas ao transe pela dança, que pode ser detectado em vários momentos da literatura, seja pela própria “coreomania”, que é a exaustão absoluta – com riscos físicos – pós-dança ou mesmo aos dervixes árabes e hindus, que atingiriam um estado de pureza de consciência após vários giros sucessivos em torno de seu próprio eixo. O que funciona mesmo em “Dance Fever” é a manipulação que Florence faz do ambiente que ela mesma criou e consolidou, permitindo-se essas experimentações mencionadas. Elas surgem logo na tonalidade cinzenta do ótimo single “King” que abre os trabalhos, como dá as caras nas sutilezas de faixas como “Daffodil” – com um arranjo sensacional -, “Choreomania” (uma espécie de aplicação do tal transe dançante ao cotidiano opressor) e na plácida “The Bomb”. “Dance Fever” mostra uma Florence instigante e cheia de surpresas.

 

Ouça primeiro: “King”

 

 

 

 

 

 

Black Keys – Dropout Boogie
(Warner)
34′, 10 faixas

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Desde 2019 o Black Keys vem numa onda de retomada de sua sonoridade original, um processo que culmina agora nesse interessante “Dropout Boogie”. O trabalho anterior, “Delta Kream”, do ano passado, consistia numa fornada de covers obscuras de artistas mais obscuros ainda, inseridos no subgênero do blues rural do Mississippi. O resultado foi ótimo e este novo trabalho parece uma sequência de “Delta”, com a vantagem de que estas novas dez faixas são totalmente autorais. Pensar em retorno às raízes em termos de Black Keys é meio redundante, uma vez que o duo, formado por Dan Auerbach e Patrick Carney reza nessa cartilha, revisitando blues, soul e psicodelia sulista com afinco e nerdismo sonoro. Só que, nestes trabalhos mais recentes, a dupla deixou de lado um caminho insinuado rumo a uma banalização de seu som, trocando esse atalho – que trouxe muita fama – por este mergulho nas águas barrentas originais.

 

Com a participação de Billy Gibbons, do ZZ Top, em “Good Love”, meio que emitindo um referendo de autenticidade à dupla, o Black Keys culmina essa fase com outras belas canções. Tem a melhor do álbum, “How Long”, que honra o amor de Auerbach por este pop-retrô americano da virada dos anos 1960/70, que tanto ele revisita de forma menos explícita quando está com a banda. Tem a ótima “It Ain’t Over”, que insere uma tonalidade funky muito sutil no uso da guitarra base e do timbre da bateria, enquanto “For The Love Of Money” pisa fundo no boogie mais elétrico e eficiente, com letra falando de um sujeito que não pode evitar ser rico. “Baby I’m Coming Home” é outra cacetada de guitarras malandras operando em conjunto, abrindo caminho para “Didn’t I Love You”, que fecha o percurso sonoro com outra bem urdida camada de guitarras e bateria, tudo bem amarrado e equilibrado entre a raiz blues’n’soul da dupla e a psicodelia sulista. Belezinha.

 

Ouça primeiro: “How Long”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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