Teremos Carnaval ano que vem?
Por mais que tenhamos vontade, paixão, ou até mesmo necessidade, uma pergunta paira na cabeça de quem é envolvido com a folia de rua: terá Carnaval em 2021?
Se tiver, será muito diferente. Essa é a opinião de Cristina Couri, Diretora Executiva do Coletivo de Blocos Organizados do Rio de Janeiro (Coreto) e pesquisadora sobre a Economia Criativa do Carnaval.
Em interessante artigo publicado em maio, Cris – como é carinhosamente conhecida no meio – discorre sobre o assunto com seriedade e bom senso. Para ela, hoje é praticamente impossível saber se vai rolar a festa. Mas, registra que, se a pandemia e suas consequências perdurarem por um tempo ainda muito longo, a resposta será não. Segundo a pesquisadora, se antes já tínhamos dificuldade em botar o bloco na rua, no atual cenário não teremos condições de ter um Carnaval em 2021 – pelo menos não no seu período oficial.
“Muitos devem estar achando que é insensível discutir o Carnaval na situação que estamos vivendo. Porém, é importante lembrar que o Carnaval de rua é cultura e perpassa diversos setores, tanto da Economia Criativa como da indústria da música e do entretenimento, e gera renda para profissionais autônomos e informais, os mais prejudicados pela atual pandemia”, explica. “Caso tenhamos Carnaval em 2021, com certeza será especial. Pelo desejo de retornar as ruas, pelo espaço de protesto, pela arte, pelo encontro. De que forma vai acontecer não consigo ter uma previsão, mas com certeza será diferente”, afirma Cris, que participou também do episódio piloto do podcast da jornalista Renata Rodrigues sobre o assunto, disponível no Spotfy.
“Existem muitos fatores de influência que incidem sobre o tema, que ganham mais gravidade em tempos de pandemia, crise política e econômica. Um deles é a falta de uma política sistêmica de apoio à festa, sobretudo aos blocos, que são os grandes protagonistas. “Acredito que isso se deve, em parte, por uma dificuldade em perceber o Carnaval de rua como um setor com diferentes dinâmicas econômicas. É claro que o Carnaval não se define apenas pela economia, mas não podemos negar o impacto econômico que gera na cidade e nos profissionais envolvidos. Existe uma visão que é muito voltada para o turismo e para o Carnaval como megaevento. Os dados divulgados trazem apenas informações sobre fluxo de turistas e ocupação hoteleira, por exemplo. Pouco se fala sobre toda a cadeia produtiva por trás da folia de rua. Durante muito tempo se investiu na organização e produção da festa, mas não se olhou para quem de fato a faz acontecer”, explica Cris, que também é Doutoranda em População, Território e Estatísticas Públicas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE), com projeto de tese sobre o sistema produtivo do Carnaval de rua do Rio de Janeiro.
Ou seja, a mudança já deveria estar acontecendo desde bem antes da Covid-19. E assim como este colunista, Cristina acredita que a cadeia de serviços que ganha em torno do Carnaval – transportes, hotéis, pousadas, restaurantes etc. – poderia mobilizar-se para que os ganhos da festa popular se tornassem mais visíveis aos olhos dos entes públicos, mesmo que por meio de campanhas e ações de entidades como sindicatos e associações. Claro que, atualmente, isso seria mais difícil. “O Carnaval atualmente começa quase um mês antes do feriado oficial, emendado no Réveillon. Isso estimula a permanência na cidade, mais gente se reunindo e consumindo, então por que não advogar a favor?”, questiona.
Mas, se por um lado, e como reflexo direto da pandemia, é possível que haja uma diminuição dos turistas estrangeiros caso o Carnaval de fato aconteça, por outro, poderá atrair turistas nacionais, por se tratar de uma festa gratuita e democrática. “O que percebo é que não investimos no turismo nacional, no próprio turismo local e na criação de outros produtos turísticos e experiências. O Carnaval de rua acontece o ano inteiro, por que não criar outros formatos ou projetos que possam fazer parte de um circuito turístico e gerar oportunidade para os blocos? O conteúdo simbólico do Carnaval para nosso país é imenso. Isso poderia ser aproveitado de uma forma mais sustentável”, diz Cristina. Ela percebe que o setor de entretenimento – o primeiro a ser afetado e muito dependente de aglomerações – vem se reconfigurando, mas não vê tais soluções como aplicáveis ao Carnaval de rua enquanto manifestação cultural, data festiva, espaço de encontros, abraços e beijos.
“Falta no Rio de Janeiro a percepção de que o Carnaval, apesar de seus impactos na mobilidade e ordenamento urbano, traz um retorno importante para a cidade. Existe uma demonização do Carnaval por parte do atual governo municipal, mas também existe uma briga muito comum, que é entre associações de moradores e os blocos de carnaval. Não existe muito espaço para negociação e resolução conjunta de problemas porque falta uma entidade que possa fazer essa articulação. Se fala muito em violência, mas não existem evidências de que esses números sejam atípicos no Carnaval. Esquecem que quem organiza a festa também faz parte da sociedade civil e precisa ser ouvido. O Ministério Público Estadual iniciou um trabalho nesse sentido, mas ainda precisamos avançar muito”, analisa.
Negociação, percepção e mobilização, realmente, são forças que movem o Carnaval. Cris tem experiência nisso: além de estar à frente do Coreto, que reúne 35 blocos, ela é organizadora do Futebloco, primeiro torneio de pelada dos Blocos de Carnaval, e é também uma das fundadoras dos blocos Fogo e Paixão e Desliga da Justiça, tendo sido presidente deste último entre 2014 e 2016. Ela aponta que, além de tudo, num cenário como o atual, somado a uma ausência de apoio e estrutura, os blocos menores serão os mais prejudicados. “Com a quantidade de exigências que existem hoje é preciso muito amor para colocar o bloco na rua, ainda mais sem dinheiro. Por isso, acho que dependendo do formato de apresentação do bloco, é possível sim que eles optem por não desfilar. Mas existe um Carnaval não oficial que está ganhando força, e deve se fortalecer ainda mais no contexto atual. Claro que vai depender de como estaremos no próximo Carnaval em relação à pandemia”, finaliza.
E a gente segue com uma característica comum a nós humanos e fãs da folia: a esperança. A foto que ilustra este texto é de Virgínia Caliman, até a próxima!
Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.