Tahiti 80, os viajantes do tempo

 

 

 

Tahiti 80 – Here With You

Gênero: Pop alternativo

Duração: 32:39 min
Faixas: 11
Produção: Julien Vignon & Tahiti 80
Gravadora: Human Sounds

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

A França faz, já há algum tempo, o pop mais interessante do planeta. Pelo menos para quem ainda guarda uma noção de pop calcada em canção com influências do século 20, especialmente do soft rock e do light funk de FM, muito em evidência na virada da década de 1970/80. Olhando como historiador, essa época marca as últimas manifestações de artistas que contavam/sonhavam com um futuro que não se realizou. Harmonia, paz, amor, feitos, tudo isso viria com a chegada de um tempo que nunca veio. Não por acaso, no ano de 1981, Donald Fagen, líder do Steely Dan, lançou seu primeiro trabalho solo, “The Nightfly”, em que fala exatamente disso. O pessoal do Tahiti 80 também gosta desse som, mas, por motivos óbvios, o faz como um belo exercício de estilo. O grupo de Rouen iniciou atividades em meados dos anos 1990 e logo levou adiante sua proposta sonora em Paris, naquele fim de anos 1990, de século 20 e de segundo milênio. E, como aquele tempo também foi marcado por um revival dos anos 1960/70, não só pelo rock, mas pelo pop, o Tahiti 80 estava no lugar certo. Este belo “Here With You” é seu nono trabalho, mostrando o grupo confortável no seu ir e vir ao longo do tempo.

 

É bom que se diga – a onda do Tahiti 80 é o pop americano e tudo que veio a reboque. Tem espaço para a fase setentista dos Beach Boys, para timbres esquecidos pelo America, para levadinhas de guitarra em andamento funky de rádio, como se fossem tiradas de “You Should Be Dancing”, dos Bee Gees. Tudo aqui tem um adorável ar de déjà vu, algo que funciona como uma espécie de bússola, que evita o extravio do ouvinte. Para quem já está aqui há algum tempo, é uma delícia cremosa ver o Tahiti 80 passeando pelas referências, mas, imagino eu, para quem é novinho/a, isso aqui é um mundo novo e sedutor. O vocalista e cérebro da banda, Xavier Boyer, canta em inglês perfeito e conduz as melodias e andamentos com propriedade. Se o som do grupo era legal, mas carente de foco há 23 anos, quando lançou seu primeiro trabalho, “Puzzle”, o tempo foi moldando a área e o jeito de atuação do Tahiti 80 nesta viagem contínua por outros momentos. Aliás, o nome da banda foi tirado de uma dessas camisetas que marcam a ida de alguém a algum lugar num tempo específico. Faz sentido, até porque, além de pop e dado a um ar retrô, o grupo tem uma alegria solar e tropical, que orna muito bem com o que é ouvido.

 

Se há algo em que Boyer e seus amigos são craques é a ourivesaria sonora. Não há nenhum momento por aqui que não seja cheio de harmonia, beleza e recursos melódicos perfeitos, infecciosos e grudentos. E há um fascínio por elementos próprios do soft rock americano em “Here With You”, que muita gente hoje chama de AOR. Por exemplo, em canções como “UFO” ou “Breakfast In LA”, a banda passeia por este imaginário audiovisual que chegou a eles por conta de séries televisivas e filmes daquele tempo, tão importantes quanto as influências sonoras. No caso de “UFO”, há efeitos de voz e sintetizadores, que introduzem a melodia e versos que falam que a menina é tão bonita que lembra um … OVNI. Tudo bem, vale tudo, uma vez que o arranjo deságua num mar de teclados e pianos, tudo muito bonito. “Breakfast In LA” soa como uma lembrança de algo que nunca aconteceu, em meio a um andamento que usa de batidas eletrônicas e conserva uma harmonia sonora totalmente convidativa, usando a mitologia da Califórnia como o fim do arco-íris, o lugar onde tudo funciona e os amores se realizam. É legal, vai.

 

Há momentos em que o T-80 chega próximo da excelência. Em “Telling Myself”, por exemplo, as guitarrinhas funky aparecem aqui e ali, adornando uma melodia que desce o rio em cascatas de um arranjo que privilegia essa melodia celestial e um refrão que faz amolecer o mais insensível dos corações. “Lost In The Sound”, a faixa que abre o disco – e primeiro single – tem toda a majestade do Tahiti 80. O andamento, a melodia, as linhas de baixo, está tudo presente. “Hoy”, outro single, também leva bastante em conta as guitarras mais lentinhas e funky, convivendo num mundo em que os riffs de teclado dão as cartas, mas com jeitinho. “Let’s Get Started”, que fecha o álbum, tem um andamento um pouco mais lento, mas conserva o padrão do álbum, de resgate de um tempo e lugar sonoros específicos.

 

O resultado da audição de “Here With You” é de sorriso garantido no rosto e a certeza de que o tempo é, sim, relativo. Albert Einstein gostaria do som do Tahiti 80? Pode ser, quem sabe?

 

Ouça primeiro: “Telling Myself”, “Hot”, “Lost In The Sound”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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