Só Estranhos e Românticos

 

 

Há quatro anos, o quarteto carioca Estranhos Românticos lançou seu primeiro disco, homônimo. A música que vinha nesta primeira investida oficial trazia uma sensação de modernidade muito grande. É simples: o artista deve ser talentoso, atuante e, acima de tudo, bem informado. Não adianta andar em torno do próprio espaço o tempo todo, é preciso mais e mais informações para que a obra ganhe complexidade e relevância. E isso era notável nas canções do álbum de estreia. Era composto por gente que ouvia muita coisa. De Sonic Youth a João Donato. De Tropicália a punk rock, passando por experimentações eletrônicas. E isso, senhoras e senhores, moças e rapazes, é coisa rara na música mundial atual. Às vezes parece que estamos vivendo um tempo em que pouco se move em termos estéticos. Pois bem, o disco dos Estranhos Românticos tinha essa informação e vinha produzido por JR Tostoi, sujeito que transita pelo rock carioca desde os tempos do Vulgue Tostoi, lá na década de 1990 e que, hoje em dia, entre outras coisas, integra a banda de Lenine. Esta introdução é para dizer que os Estranhos voltaram com um novo trabalho, no qual estão contemplados … dois discos. O primeiro deles é “Só”.

 

Desde meados de 2019, depois de 3 anos compondo e testanto músicas novas, a banda começou a gravar o disco novo no estúdio La Cueva com o produtor argentino Seu Cris. Pensaram até em fazer um disco duplo, porque já tinham acumulado 19 músicas nesse período. Mas logo no começo da gravação a banda se desentendeu e se separou. Sim, é isso mesmo. A banda acabou.

 

No entanto, o vocalista/guitarrista Marcos Müller (ex-Gatz Mao), o baixista Mauk (Big Trep, The Dead Suns), o tecladista Luciano Cian (ex-Utopia) e o baterista Pedro Serra (O Branco e o Indio) perceberam que a música era mais importante que as desavenças, e com a paciência do produtor Seu Cris, continuaram a gravar o disco – separadamente. A música da banda cresceu – há neste disco uma gama ainda maior de estilos, sem deixar o som indie-rock tropical da banda perder sua identidade … estranha e romântica.

 

Depois de dez meses desta retomada, nasceu ‘Só’, o primeiro destes discos gêmeos separados por seis meses, com dez músicas. Ele tem participações especiais de quatro guitarristas em quatro músicas diferentes: JR Tostoi toca no estranho reggae “Só”; Gilber T (B Negão & Seletores de Frequência) toca na funky “Tranquilo”; João Pedro Bonfá toca na romântica “Dançando no Escuro” e o argentino Dom Horácio (Superpuestos) toca na desesperada “Samsara”. A banda, como dissemos, acabou. O disco é como um testemunho da criatividade perdida, deixada de lado por conta desses percursos sinuosos que se colocam na vida das pessoas – e das bandas.

Conversamos com o baterista Pedro Serra e pedimos que ele, na qualidade de estranho e romântico, descrevesse as dez faixas de “Só” para que o ouvinte pudesse ter a apresentação de credenciais necessária para mergulhar de cabeça na belezura do álbum. Sendo assim, aqui vão as músicas e as dicas de Pedro para você prestar atenção.

 

1. Samsara

É uma das músicas mais antigas do disco. Um disco-punk-tropical que fizemos depois de uma viagem do vocalista/guitarrista Marcos à India – tem até umas cítaras que o Luciano faz no teclado numa parte da música. A bateria é meio inspirada em Beck. A gente estava achando o final meio vazio e o produtor Seu Cris pediu pro antigo guitarrista da banda dele (a argentina Superpuestos, dos anos 90) Dom Horacio fazer um solo psicodélico, que achamos que ficou perfeito na música.

 

2. 1988

Essa música surgiu de uma jam de baixo e bateria no ensaio, inspirada em Joy Division e o comecinho do New Order. Até o meio da gravação a gente chamava ela de “Gótica”. Ela é meio hinótica e dark, mas fica mais alegre e Jovem Guardiana no refrão. São duas partes bem distintas, mas ficaram boas juntas, meio Yin/Yang.

 

3. Dançando no Escuro

Umas das últimas composições que fizemos, meio baladão rock. Gosto muito da bateria com o contratempo quebrado, cheia de viradas em lugares inesperados. E tem a participação deliciosa da guitarra slide do João Pedro Bonfá, que gravou seu disco solo no mesmo estúdio que a gente e também foi produzido pelo Seu Cris. Ela se chamava “Eu Amo Você”, mas mudou de nome na gravação – assim como várias das letras, e consequentemente, dos nomes das músicas. Por causa da briga da banda, quase tudo foi gravado separadamente, sem a presença dos outros 3 integrantes. E rolaram várias surpresas na gravação que descobrimos na mixagem – algumas agradáveis, outras nem tanto…

 

4.Meu Bem

Essa já tem um tempo que fizemos, se chamava “Nada de Mais” antes. Nossa, como essa música mudou… Ela era meio blues-rock antigamente e virou meio disco-punk – só ficou o riff de guitarra original. O Mauk não gosta muito dessa música, mas acho o baixo dele excelente – aliás, acho o baixo dele a alma da banda – gosto muito de guitarristas que viraram baixistas, como é o caso dele no Estranhos Românticos.

 

5. Tranquilo

Sabe aquelas coisas que parecem simples, mas são bem complicadas? Pois é o caso dessa música. Ela era originalmente inspirada em Picassos Falsos (que a gente acha uma das melhores bandas dos anos 80), e nasceu de uma jam no ensaio. A gente chamava ela de “Funk”, depois passou pra “Feliz ao Teu Lado” e finalmente, Tranquilo. Mas não tava rolando na mixagem… Daí a gente teve a idéia de chamar o Gilber T, que é um gênio musical (compõe, canta, toca guitarra, baixo, sampler, etc, tem 3 discos solo e atualmente toca com o BNegão & Seletores de Frequência) e meu amigo desde os tempos do Garage nos anos 90. E não é que ele deu um jeito na música? Gravou duas guitarras excelentes e até mudamos um pouco a organização da música por causa disso.

 

6. Sincero

Adoro essa música. Ela é de uma simplicidade tocante e mistura dois estilos musicais que eu amo, a Jovem Guarda e o soul da Motown. A gente originalmente queria chamar um naipe de metais pra botar uns toques, mas com a briga da banda acabou não rolando. Se não me engano o Mauk veio com essa linha de baixo e a gente ficou um tempão levando som, porque ela é muito gostosa de tocar.

 

7. 15 Mil Passos

Baladão de cortar os pulsos. Ela tem uma estrutura um pouco grunge de lenta/esporrenta. É uma música bem antiga – se bobear, de antes do 1º disco – mas a gente não acertava essa estrutura. Acho que ficou legal assim.

 

8. Estranho Amor

Gosto muito dessa. É uma das mais novas. Enchi ela de ton-ton – uma das minhas maiores influências é o Budgie, que tocava com a Siouxsie. Ainda fizemos um backing meio doo-wop no final, que ficou legal.

 

9. Só

Uma das minhas preferidas do disco. É uma música cheia de silêncios (aliás, acho que o disco todo) – o que pra mim, é um sinal de amadurecimento musical. Não sei muito como classificar, mas tem um baixo reggae que perpassa a música toda, até desembocar no solo apoteótico maravilhoso do JR Tostoi, grande guitarrista (Vulgue Tostoi e Lenine) e amigo que produziu o nosso primeiro disco.

 

10. Mergulho no Saara

é um rock eletrônico bem antigo, começamos a fazer ela pouco depois do lançamento do primeiro disco, em 2016. Surgiu quando o tecladista Luciano ficou brincando com a bateria eletrônica – mas tocada manualmente num ensaio. A letra é um passeio pelos bairros do Rio.

 

 

Foto: Ana Paula Moniz

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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