Shoptime como entretenimento

 

Há poucos dias, o apresentador do Canal Shoptime, André Saporetti, vendia um conjunto de toalhas no programa Casa e Conforto. Ao ver qual era o nome do jogo – Corfu – ele pediu ao diretor que buscasse no Google o significado do nome. Em segundos recebeu a resposta pelo ponto eletrônico: – isso, uma ilha grega, situada no Mar Jônico. Não por acaso, o produto exibia estampas e detalhes que remetiam a traços visuais de azulejos e motivos gregos. Saporetti continuou: – “sim, estas toalhas são sensacionais, elas proporcionam muito mais que uma secagem eficaz, elas proporcionam uma experiência! É como se você saísse do próprio Mar Jônico e se secasse na beira da praia.” Eu adoro ver Shoptime.

 

É verdade, o Shoptime é um canal de humor involuntário, quase sempre o melhor possível. Vejo com certa frequência e me divirto com as artimanhas que os apresentadores usam para vender os produtos. No caso de Saporetti, formado em Direito pela USP, ex-funcionário do TJ-SP e cantor lírico, tenho absoluta certeza que ele estava sacaneando o produto e sua própria função na tela, a de vendedor. Sim, porque os apresentadores do canal vendem produtor no ar, para que os espectadores comprem via telefone, internet ou aplicativo. E vendem desde toalhas a eletrodomésticos, de TVs moderníssimas e celulares caríssimos a kit de ferramentas e cosméticos. É uma espécie de apoteose do capitalismo eletrônico ao alcance do seu controle remoto. Como eu disse acima, eu me diverto e adoro ver o canal.

 

Se eu contar o número de vezes que comprei algo no Shoptime, não passo nem da primeira mão. Eu gosto mesmo é de ver. Ciro Bottini, por exemplo, é o apresentador mais antigo do canal. Está lá desde que o Shoptime foi ao ar, em 1995. Ele já vendeu de tudo e incorporou uma persona ao longo do tempo. Nos primeiros anos, Bottini vendia CDs e eletro-eletrônicos, trazia consigo uma herança de ter trabalhado no rádio, de ter uma banda de rock – a Proteus – e de ser um cara relativamente descolado. Chegou a dividir a apresentação de um programa chamado CD Gourmet, no qual Rodolfo Bottino, ator já falecido, apresentava dicas culinárias. Quando estava solo, o programa era o CD Mania, em que Ciro pedia ao DJ Simpson para tocar trechos dos discos, enquanto comentava as canções. Era outro mundo. E era legal.

 

Depois Bottini foi enlouquecendo aos poucos, falando para auditórios imaginários, chamando o Plantão Bottini, no qual usava linguagem televisiva e radiofônica para dar preços em promoções e foi usando bordões como “compre, compre, compre!” ou “chama o viadinho Bottini” e outras doideiras silviosantistas, que lhe conferiram prestígio e eficácia. Há tempos ele é um dos mais requisitados palestrantes motivacionais para vendedores e tem seu estilo imitado – sem sucesso – por vários apresentadores do mesmo ramo. Ver um programa do Bottini é garantia de risos e empatia, o cara é excelente. Mas, como eu disse, vejo o Shoptime por entretenimento.

 

Eu realmente acho divertidíssimo quando os apresentadores tentam convencer o espectador a comprar panelas de pressão elétricas – que destroçam qualquer conta de luz – como se fosse algo realmente necessário. Dizem que é a garantia da independência da pessoa que está em casa, cozinhando, como se as panelas de pressão convencionais amarrassem com uma bola de ferro o pobre coitado que cozinha feijão e carne em casa. Também gosto quando os celulares novíssimos e caríssimos surgem na tela e alguém diz que aquele processador octacore tem quatro núcleos duplicados e que isso vai representar velocidade e PRATICIDADE no uso do aparelho. E quando vejo os raros programas de cosméticos, vibro com a parafernália das bases e maquiagens, sem falar nos secadores de cabelo com íons de prata ou dos cosméticos feitos com minerais do Mar Morto.

 

Lembro sempre do meu professor Maurício, de Sociologia IV, na UFF, dizendo que “o capitalismo cria necessidades”. A pessoa não precisa de uma TV de 60 polegadas, mas a persuasão que gente como Bottini e cia usam como ferramenta, pode te convencer de que você sempre necessitou daquilo. O Shoptime é um canal de compra e venda. Já foi da Globo, é do grupo de comércio B2W desde meados dos anos 2000. É muito mais entrenimento com toques de realismo fantástico do que qualquer outra coisa. Eu vejo com a certeza de que surgirão situações cômicas na tela e digo isso sem qualquer intenção de ofender quem produz o conteúdo do canal. É uma opção, digamos, política e econômica de minha parte. Nada contra quem vê disposto a gastar os tubos com a eficiente carteira de produtos do canal.

 

Repito: Bottini em dia inspirado é capaz de vender areia para um beduíno que cruza o Saara. Se você está a salvo disso, ele é garantia de diversão.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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