Sete Titãs, trinta faixas, dez shows
Pois é, todo mundo já sabe: os Titãs voltarão em 2023 para dez shows. Quando digo “os Titãs voltarão” significa jogar para escanteio a lamentável encarnação atual da banda – em forma de trio – e voltar a atenção para o passado do grupo, na forma de septeto. Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Nando Reis e Charles Gavin se juntarão a Branco Melo, Tony Bellotto e Sergio Brito na tentativa de reeditar as glórias – inegáveis – do passado do grupo. A lamentar apenas a ausência do guitarrista Marcelo Fromer, morto tragicamente em 2001. De curiosidade neste retorno apenas a presença de Arnaldo Antunes, o primeiro a deixar os Titãs, em 1992. Isso significa dizer que ele não participou de obras como “Titanomaquia”, “Domingo” ou “A Melhor Banda Dos Últimos Tempos Da Última Semana” e tê-lo de volta pode ser realmente interessante.
Mas, sejamos sinceros: a volta desta formação do grupo, a menos que alguma surpresa esteja reservada, significa reeditar a glória perdida dos Titãs, especialmente em termos de shows. Não parece que está nos planos a gravação de um disco de inéditas, reeditando a veia colaborativa e múltipla que marcou o melhor da produção do grupo. Por isso, lamento dizer, me reservo o direito de me abraçar a um ceticismo meio chato em relação a este retorno, que, admito, é legítimo e pode ser muito bem sucedido em termos de presença de público. A banda fará shows entre abril e junho do ano que vem, passando pelas seguintes cidades:
28 de abril: Jeneusse Arena, Rio de Janeiro
Ingressos: R$ 45,00 a R$ 380,00
29 de abril: Expo Minas, Belo Horizonte
Ingressos: R$ 125,00 a R$ 340,00
5 de maio: Hard Rock Live, Florianópolis
Ingressos: R$ 125,00 a R$ 380,00
6 de maio: Beira-Rio (anfiteatro), Porto Alegre
Ingressos: R$ 70,00 a R$ 380,00
27 de maio: Arena Fonte Nova, Salvador
Ingressos: R$ 90,00 a R$ 280,00
2 de junho: Classic Hall, Recife
Ingressos: R$ 90,00 a R$ 280,00
3 de junho: Marina Park, Fortaleza
Ingressos: R$ 90,00 a R$ 280,00
7 de junho: Arena BRB – Mané Garrincha, Brasília
Ingressos: R$ 110,00 a R$ 380,00
10 de junho: Pedreira Paulo Leminski, Curitiba
Ingressos: R$ 125,00 a R$ 380,00
17 de junho: Allianz Parque, São Paulo
Ingressos: R$ 45,00 a R$ 380,00
Pois bem, esta é uma boa oportunidade pra gente elaborar nossa listinha de canções preferidas dos Titãs em todos os tempos. Como é algo pessoal e que se pretende minimamente original, nossa relação de músicas deixa de fora alguns hits queridos do público em favor de favoritas queridas ao longo dos anos. E tem espaço para aquela que entendemos ser a melhor cover que os sujeitos já gravaram na sua história. Aqui estão as canções por ordem de disco, sem ordem específica de preferência, mas, caso queiram saber, minha preferida atemporal dos Titãs é “Diversão”, faixa do ótimo disco “Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas”, de 1987. Veja, concorde, discuta, assunte.
– Toda Cor (1984) – pérola esquecida do primeiro disco do grupo. Timbres new wave, letra ingênua e apaixonada. Ficou pra trás, mas poderia ser lembrada nesse retorno.
– Televisão (1985) – o segundo disco do grupo, “Televisão”, envelheceu muito bem e esta faixa-título cresceu de importância com o passar dos tempos. Um clássico.
– Massacre (1985) – falando em clássico, essa loucura aqui era hit nas fileiras da Uerj 1993 e isso é o bastante para estar aqui.
– Pavimentação (1985) – um dos vários momentos Talking Heads dos Titãs. Funk torto e existencial sobre o caos urbano.
– Insensível (1985) – outro chicletão sentimental que o grupo sempre fez com maestria. Outra maravilha de “Televisão”.
– Tudo Vai Passar (1985) – os mais entendidos diriam que este é um “deep cut” dos Titãs e não estarão errados. New wave otimista e bonitinha.
– Bichos Escrotos (1986) – o terceiro disco dos Titãs, “Cabeça Dinossauro”, é um clássico maior do rock nacional. Esta canção foi reproduzida no cotidiano do país desde 2016, com a ascensão dos apoiadores do golpismo conservador. Felizmente ela tende a perder força com a volta deles para os esgotos de onde saíram.
– Família (1986) – uma típica canção de Nando Reis como apenas a carreira solo do ex-baixista do grupo nos faria ver. Mas ela é bacaninha demais, um clássico da banda.
– Homem Primata (1986) – outra canção que não envelheceu um ano sequer, com suas críticas ao ser humano e sua futilidade idiotizante ainda em dia.
– O Que (1986) – clássico da construção de estúdio, é um poema concreto de Arnaldo Antunes em meio ao uso do que havia de mais moderno na época em termos de produção. Liminha deveria levar 50% dos créditos nessa aqui.
– Estado Violência (1986) – faixa meio esquecida de “Cabeça Dinossauro”, uma das mais interessantes linhas de baixo que o grupo já elaborou.
– AA UU (1986) – o clássico da idiotia humana como meio de vida e sofrimento cotidiano. Segue relevante.
– Porrada (1986) – canção menos relevante do “Cabeça” mas que guarda um raríssimo Arnaldo Antunes a fim de enfiar o cacete em várias pessoas. Boa.
– Igreja (1986) – só quem estudou doze anos num colégio de padres católicos pode entender a absoluta aventura que era cantar isso aqui aos 15 anos, pleno 1986. Quem viveu, viveu.
– Diversão (1987) – como dissemos acima, esta é a nossa preferida absoluta dos Titãs. E fim de papo. A letra, o arranjo, a gravação, é tudo perfeito por aqui. Grande hit de “Jesus Não Tem Dentes…”.
– Corações E Mentes (1987) – o quarto álbum do grupo trouxe vários hits, mas também trouxe canções menores, mas muito bacanas. Essa aqui, sobre dominação cultural midiática é bem bacana.
– Comida (1987) – A canção gêmea de “O Que”, igualmente burilada no estúdio e com recursos tecnológicos de ponta, virou hino.
– Desordem (1987) – composta e gravada dois anos antes das eleições presidenciais de 1989, “Desordem” foi uma polaroide precisa daquela sociedade brasileira exausta pela ditadura, pela alta dos preços e pela falta de perspectiva.
– Lugar Nenhum (1987) – lembro de um amigo dizer que essa canção parecia “a canção do Batman”, algo que faz certo sentido. É poesia concreta de Arnaldo com guitarrinhas crocantes indo e vindo. Boa.
– Go Back (1988) – o disco ao vivo de 1988 trouxe duas boas regravações de canções velhuscas da banda. Essa aqui, originalmente pertencente ao primeiro álbum, é muito melhor que seu primeiro registro e tem sua letra valorizada pelo arranjo meio eletrônico.
– Não Vou Me Adaptar (1988) – canção de “Televisão” altamente prejudicada em sua versão original pela produção fraca daquele álbum, esta belezura renasceu nesta novíssima versão.
– Miséria (1989) – eu sempre achei que “O Blesq Blom” é um disco mais de climas do que de canções. Esta aqui, grande hit do álbum, é uma porrada que mais parece um contraponto a “Desordem”, de dois anos antes.
– O Pulso (1989) – outra canção típica de Arnaldo Antunes, dessa vez, enumerando várias moléstias como sinônimo de resistência. Outra letra que acena para o Brasil recém-redemocratizado daquele 1989.
– Será Que É Isso Que Eu Necessito? (1993) – O grande hit do álbum “Titanomaquia”, verdadeira belezura que foi mal entendida na época, mas que cresceu muito com o tempo. A sonoridade pesada, cortesia da produção de Jack Endino, ainda soa muito bem.
– Disneylandia (1993) – canção que documenta a loucura da globalização farsesca daquele início de anos 1990. Já usei em aula para explicar o período histórico.
– Nem Sempre Se Pode Ser Deus (1993) – outra boa canção do “Titanomaquia”, com ótimas guitarras e letra revoltadona.
– Domingo (1994) – faixa-título do nono álbum dos Titãs, considerado meio fraco e sem sentido pelos fãs. De fato, é um trabalho menos inspirado, mas essa canção simboliza bem a paulistanice da banda.
– Querem Acabar Comigo (1999) – presente no pior álbum do grupo, “As Dez Mais”, só de versões péssimas, esta releitura de uma canção média de Roberto Carlos, safra 1966, é a cover mais bela que os Titãs já gravaram e olha que a banda se especializou em fazer isso entre 1996 e 1999.
– Isso (2001) – canção de “A Melhor Banda Dos Últimos Tempos….”, esta é uma das várias baladas que os Titãs passaram a compor desde 1996. “Isso” é uma triste canção sobre o fim do amor.
– Fardados (2014) – os Titas foram perdendo o gume ao longo da década de 2000, vendo seus integrantes partindo. Esta canção, que abre o álbum “Nheengatu”, o mais inspirado do grupo desde “Titanomaquia”, é engajada e virulenta. Este foi o primeiro disco gravado sem Charles Gavin e o último com Paulo Miklos, o melhor cantor do grupo em todos os tempos.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Tenho um palpite: essa reunião será uma despedida definitiva dos Titãs!
Penso que unir os 7 artistas, trazendo aqueles que mantém uma carreira produtiva e ativa, para uma mini-turnê de apenas 10 shows, é um esforço muito grande para apenas “comemorar” 40 anos, ou celebrar um reencontro entre eles (sabendo da superação de problemas de saúde de alguns).
Uma pena; mas também um alívio, quando se constata que a banda já não rende mais em termos artísticos e criativos.
Torço para que o repertório dos shows se concentre nos clássicos (de Cabeça ao Oblesq), com uns 3 ou 4 hits de outras fases.