Festival do Rio 2019 – A Maldita

 

 

 

A Fluminense FM, pelo menos em seus primeiros anos, foi mais que uma emissora de rádio. Ela conseguiu capturar o espírito daquele início de anos 1980, quando o rock nacional passou por uma mutação e precisou, necessitou, se desesperou por um canal de expressão. A TV, os jornais, as revistas, em suas variantes alternativas, também perceberam o movimento que se fazia no subterrâneo do Rio de Janeiro (e de outras cidades do país), mas a Fluminense FM foi quem se colou àquele momento, àquelas bandas, artistas, enfim, ela se tornou parte daquele movimento. E vice-versa.

 

Sem levar isso em conta, é muito difícil falar da rádio e de sua importância e o documentário “A Maldita”, de Tetê Mattos, tem seu maior mérito na capacidade de compreender as múltiplas faces da Fluminense e seu papel como participante do rock nacional dos anos 1980. Em exibição no Festival do Rio, o documentário mostra como a rádio é um ator tão destacado quanto as bandas que ajudou a projetar. Sim, porque a emissora situada em Niterói, capitaneada por Luiz Antônio Mello, Sérgio Vasconcellos e Amaury Santos surgiu como algo absolutamente novo em termos de transmissão radiofônica. Tinha locutoras – algo inédito na época – improviso, bom humor, desejo de mudança e um time de jovens cabeças dispostas a tudo. Sua programação misturava rock clássico, rock alternativo, rock nacional setentista, vanguarda paulistana e o incentivo à novidade, que residia especialmente no programa Rock Alive, de Maurício Valladares.

 

O documentário de Tetê Mattos mapeia este terreno e tem o cuidado de mostrar outra característica marcante da Fluminense FM: seus ouvintes. O início do filme mostra um deles, morando no meio do mato, numa casa sem energia elétrica, mas que, com o radinho de pilha, conseguia captar o sinal da emissora, tornando-se assim um fã. E muitos outros vão surgindo, mostrando a importância da rádio em suas vidas, o quanto ela motivou e moldou gostos, posições, identidades, enfim, temos uma boa ideia do tamanho da Flu FM no aspecto humano. Aliás, o que Tetê consegue, por meio de depoimentos raros e preciosos, é mostrar o quanto de humano tinha na empreitada da rádio em seu início. Todos ali pareciam ousar no que faziam e a impressão que temos com as falas do filme é exatamente essa.

 

Tetê mostra uma certa poesia ao conectar a rádio a Niterói, ex-capital do antigo estado do Rio, berço da emissora. Imagens de arquivo mostram o quão improvável era a cidade em termos de sede oficial da Fluminense e como isso foi se tornando natural. Em pouco tempo, pessoas iam para o Aterro do Flamengo, de frente para a Baía de Guanabara, para captar o sinal da rádio com mais nitidez. O roteiro do longa – também feito por Tetê – se baseia em dois livros: “A Onda Maldita”, de Luiz Antônio Mello, e “Rádio Fluminense FM – A Porta de Entrada do Rock Brasileiro dos Anos 80”, de Maria Estrella. Ambos aparecem no filme e contam suas experiências com o poder transformador da Fluminense, reafirmando a importância dela em diferentes âmbitos.

 

Além das imagens de arquivo, “A Maldita” traz um grande números de vinhetas originais, além do discurso oficial de entrada no ar da emissora e cenas do interior das instalações originais da Fluminense. É um prato cheio para os ouvintes e um caminho direto para a saudade deles e dos participantes originais. O longa reacende o desejo de mudança, de inconformismo e confirma a adorável história desta rádio, que foi um dos pilares de surgimento e manutenção do rock nacional dos anos 1980. Bravo.

 

“A Maldita”, Brasil, 2018
Direção: Tetê Mattos
Duração: 80 minutos.

Exibição:

Segunda, 16/12 17:10 Estação NET Gávea 4

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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