Quando Rita Lee se esbaldou

 

 

Texto originalmente publicado em 25 de abril de 2014 – link aqui.

 

 

Talvez você, jovem, esteja acostumado/a a associar o nome de Rita Lee somente a Os Mutantes. Pior: talvez essa união de “nome à pessoa” se dê através de sucessos mais recentes da cantora, como “Reza” ou “Tudo Vira Bosta”, ou mesmo de seu lamentável disco de versões de The Beatles, “Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar”, lançado em 2001. Numa carreira iniciada em 1968 e mantida até hoje, em meio a altos e baixos, Rita Lee teve seu melhor momento quando decidiu ser Pop e se esbaldar.

 

 

Apesar de bem sucedida e cheia de hits, a fase Tutti Frutti de Rita não é nosso objeto de interesse aqui. Antes de passar ao momento que realmente marca a guinada Pop definitiva na trajetória dela, não dá pra passarmos batidos pelo grande disco que ela produziu nesse período, “Fruto Proibido”, lançado em 1975. Com Tutti Frutti devidamente formatado, principalmente pela presença de Luis Carlini (guitarras) e Lee Marcucci (baixo), Rita decidiu, além de cantar, tocar piano, flauta e sintetizadores. Era o segundo lançamento do grupo, que soltara “Atrás Do Porto Tem Uma Cidade” no ano anterior, ainda sem o devido reconhecimento de crítica e público. O que faltava ou era dúbio no primeiro álbum, ficou claríssimo e perfeito em “Fruto Proibido”, um disco eminentemente roqueiro, sujo, cheio de sucessos inspiradíssimos como “Agora Só Falta Você”, “Esse Tal De Roque Enrow”, “Dançar Para Não Dançar”, “Luz Del Fuego” e a emblemática “Ovelha Negra”, tudo muito bem gravado, energético e legal. O álbum alcançou o disco de platina duplo, chegando à casa das 700 mil cópias vendidas.

 

 

 

Em 1976, viria o início da grande mudança. Entrara para o Tutti Frutti um guitarrista novato, Roberto de Carvalho. Em pouco tempo, ele e Rita estava compondo juntos e não tardariam a envolver-se amorosamente. No fim do ano, Rita estava grávida e teve um episódio muito triste. Após uma batida policial em sua casa, na qual foram apreendidas drogas, a cantora foi condenada à prisão domiciliar por um ano. Era a ditadura militar brasileira tentando ensinar à população mais jovem que não era aceitável viver uma vida nos moldes da cantora sem sair impune. O terceiro disco de Rita, “Entradas e Bandeiras”, apesar de bem sucedido em vendas, não teve um sucesso do mesmo nível do trabalho anterior e a escassez de shows por conta da prisão, fez a situação financeira de Rita e Roberto se agravar. Mesmo assim, ela gravou um compacto em parceria com Paulo Coelho, “Arrombou A Festa”, que chegou às 200 mil cópias. Logo estaria livre da prisão domiciliar e iniciaria uma turnê nacional com Gilberto Gil (também egresso de episódio suspeito, no qual também fora preso e internado num sanatório em Santa Catarina por conta de suposta posse de drogas). O resultado dos shows pelo país ganhou a forma de um álbum, “Refestança”.

 

 

 

 

Aos poucos, a influência das composições com Roberto começavam a pesar no ambiente outrora equilibrado da banda. O disco seguinte, “Babilônia”, de 1978, teve sua cota habitual de sucessos, principalmente “Jardins da Babilônia”, “Miss Brasil 2000” e “Eu e Meu Gato”, além de uma sonoridade mais Rock em relação ao registro ao vivo com Gil e o álbum anterior. Com o clima azedando ainda mais, Luis Carlini pede para deixar o grupo, o que acarretaria no fim deste, uma vez que o guitarrista possuía os direitos para uso do nome. Com o fim do Tutti Frutti, Rita e Roberto fazem uma pequena retirada estratégica, que resultará no início de sua fase mais inspirada e interessante. Em 1979, Rita e Roberto, em dupla, lançam o “Rita Lee”, álbum que trará um hit massivo, “Mania de Você”, que dominará o território nacional em pouco tempo.

 

 

 

 

A receita havia mudado. Sai o Rock setentista, de inspiração “stoniana” e entra uma música extremamente Pop, derivada da produção americana da época, o que envolvia técnica e habilidade por parte dos músicos, algo que era bem próximo do próprio Roberto de Carvalho e uma narrativa de bem com a vida, com letras bem humoradas e críticas na medida certa. Exemplo melhor que “Chega Mais” não há. Animada, quase carnavalesca, a canção foi tema de novela global do mesmo nome. Além dela, “Papai Me Empresta O Carro”, “Caso Sério”, “Doce Vampiro” e “Mania de Você” conferiram status de clássico ao álbum.

 

 

 

 

Como a produção com Roberto ia a pleno vapor, Rita iniciou uma sequência impressionante de lançamentos, todos com hits nacionais. Outro disco homônimo teve lugar em 1980, contendo clássicos como “Nem Luxo, Nem Lixo”, “João Ninguém”, “Lança Perfume” (outra no estilo Pop carnavalesco), “Orra Meu”, “Baila Comigo”, “Bem Me Quer”, “Shangri-La”, com a totalidade do disco tocando nas rádios. Logo “Lança Perfume” chegou aos primeiros lugares de paradas de sucesso latino-americanas e europeias, principalmente a francesa e a italiana. Tal fato fez com que o disco fosse lançado no mercado internacional com grande sucesso. No ano seguinte é a vez de “Saúde”, mais uma empreitada de imenso êxito. A veia carnavalesca segue firme, dessa vez com “Banho de Espuma”, mas outros hits pipocam, como a faixa título, uma irônica e bem humorada tiração de sarro com onda macrobiótica, que chegava com tudo naquele distante 1981. Além dela, “Mutante” e “Atlântida” também fazem bonito. O trabalho seguinte, “Rita Lee e Roberto de Carvalho”, lançado em 1983, também traz mais exemplos do Pop irresistível da dupla. “Flagra” vai parar novamente na trilha sonora de uma novela global, dessa vez, “Final Feliz”. “Vote em Mim” fala com humor da iminente abertura democrática brasileira, em momento de Diretas Já, “Brasil Com S” traz participação (raríssima) de João Gilberto e “Cor-de-Rosa Choque” vai parar na abertura do primeiro programa feminino da Globo, TV Mulher.

 

 

 

 

 

 

A fase dourada da parceria ainda teria três discos, menos intensos e inspirados, mas pródigos em canções legais. “Bom Bom”, de 1984, tem dois hits dourados, “Desculpe O Auê” e “On The Rocks”. Rita e Roberto, de 1985, é sombrio como Rita ainda não havia sido em sua carreira, principalmente na excelente canção de trabalho, “Vírus do Amor”, composta tendo em mente a presença cada vez maior da AIDS naqueles tempos. Além dela, “Noviças Do Vício” faz algum sucesso, mas num âmbito menor. Com este álbum em plena rotação, Rita sobe ao palco do Rock In Rio para uma apresentação intensa, que marcava seu retorno aos grandes palcos após dois anos. Em 1987 viria o último trabalho realmente interessante, “Flerte Fatal”, que procurava reatar a veia carnavalesca com “Pega Rapaz”, além de trazer outras canções legais como “Xuxuzinho” e “Bwana”, que ainda rendeu excursões nacionais e shows no exterior.

 

 

 

 

 

 

Mesmo que tenha vivido o melhor período de sua carreira, Rita não teve harmonia total no casamento com Roberto. Problemas com drogas, estafa, perda de voz, além de divergências musicais e o tradicional desgaste da relação, fizeram a dupla enfrentar uma montanha russa emocional. Os nascimentos dos filhos Beto (1977), João (1979) e Antônio (1981) temperaram os pontos de atrito. O casal se separaria em 1990 e voltaria anos depois, finalmente casando-se em 1996. Se a carreira de Rita Lee jamais repetiu o êxito obtido entre 1975 e 1987, sua união com Roberto permanece sólida e constante, mesmo rendendo frutos musicais não tão interessantes. Mais que uma rainha do Rock, Rita Lee se sente melhor com outro reinado, o do Pop.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *