Quando Christine McVie deu um tempo do Fleetwood Mac
Ainda estou muito triste com a morte de Christine McVie, aos 79 anos, anunciada ontem. Mais que uma vocalista e tecladista de sucesso, integrante do Fleetwood Mac desde 1969, Christine era uma das grandes compositoras de sua geração. A partir de 1975, quando Lindsey Buckingham e Stevie Nicks foram incorporados à banda e o Mac iniciou sua ascensão nas paradas de sucesso do mundo, a banda passou a contar com três ótimos compositores. Christine era a responsável pelo elemento soft rock romântico. Stevie tinha a pegada mais mística e pós-hippie, enquanto Buckingham era o cara do estúdio, o músico talentoso e o gênio das estruturas sonoras que tinham experimentação e pop ao mesmo tempo. Fechando a formação do grupo, a melhor cozinha do rock (a meu ver, tão boa quanto Bonham/Jones, mas aí já é outro assunto), formada por Mick Fleetwood na bateria e John McVie no baixo. Pronto, não tinha como dar errado.
Com esta formação, o Mac registrou 5 álbuns entre 1975 e 1982, quatro em estúdio e um duplo ao vivo. No início dos anos 1980, três integrantes do grupo lançaram discos solo. Stevie Nicks soltou o seu ótimo “Bella Donna”, enquanto Lindsey Buckingham veio com “Trouble” e Mick Fleetwood trouxe “The Visitor”, todos lançados em 1981. Destes, Stevie teve mais sucesso e a volta do Fleetwood Mac ao estúdio para gravar “The Mirage”, em 1982, gerou grande expectativa nos fãs. O disco não trouxe a complexidade de “Tusk”, álbum duplo lançado em 1979 e gerou dois hits: “Hold On” e “Sara”. No entanto, Lindsey e Stevie, competitivos e obsessivos, além de ex-casados, continuaram pilhados para carreira solo, fato que motivou o hiato que o Mac anunciou no início de 1983. Dessa vez, Christine McVie, que não lançara nenhum álbum solo, resolveu se aventurar e entrou em estúdio para gravar um belo álbum homônimo, lançado, finalmente, em 1984.
É verdade que este não era exatamente o seu primeiro disco, uma vez que, antes de entrar no Mac, ela lançara “Christine Perfect”, em 1970, mas não dá para comparar a qualidade dos trabalhos e, especialmente, a maturidade que Christine adquiriu ao longo destes quatorze anos que separam os dois trabalhos. O fã de sua maneira simples e bela de compor e cantar melodias pop perfeitas se esbaldou com as dez faixas do álbum, que gerou um hit simpático com “Got A Hold On Me”, mas que também tinha outras lindezas, especialmente “The Challenge” (com participação de Eric Clapton nas guitarras) e “Love Will Show Us How. Além delas, “Ask Anybody” trazia parceria com Steve Winwood, que também participou da gravação tocando teclados e órgão. Dá pra dizer que, se compararmos este álbum homônimo com “The Wild Heart”, lançado por Stevie Nicks em 1983 e “Go Insane”, de Lindsey Buckingham (1984), Christine faz muito bonito e confirma seu estilo diante das outras forças criativas da banda … fora da banda.
O fato é que Stevie e Lindsey tiveram carreiras solo mais consistentes, até porque Christine gostava de fazer parte do grupo. “Eu sempre fui uma pessoa de banda, gosto de colaborar”, disse ela em entrevista à Rolling Stone em junho deste ano. O álbum que sucedeu este período de produção solo dos três maiores compositores do Mac foi “Tango In The Night”, lançado em 1987. É um trabalho totalmente sintonizado com a segunda metade dos anos 1980, para o bem e para o mal. A produção é recheada de timbres de teclados que envelheceram irremediavelmente e traz o grupo procurando se manter vivo num tempo que já era bem diferente de quando fizera o álbum anterior, cinco anos antes. Mas Christine, como era de costume, compareceu com ótimas canções no disco, sendo “Little Lies”, um ótimo exemplo. Para quem já fora responsável por um hit indiscutível do grupo, a saber, “Songbird”, do multiplatinado “Rumours”, de dez anos antes, isso não significava exatamente surpresa.
Mas o Fleetwood Mac é uma banda famosa por suas idas, vindas, brigas, abandonos e retornos. Lindsey saiu em 1987, voltou dez anos depois, foi saído em 2017. O álbum que o grupo produziu sem ele, em 1990, “Behind The Mask”, provavelmente é o pior que já fizeram. Na verdade, os últimos álbuns de estúdio do Mac foram sofríveis. Além deste, “Time” (1995) também não faz jus ao passado que a banda tem. Durante muito tempo o grupo esteve inativo, fazendo turnês esporadicamente. Em 1998, após o álbum ao vivo “The Dance” e a excursão mundial que o sucedeu, Christine anunciou sua saída da banda, indo morar na Inglaterra e deixando de lado qualquer aparição pública. Fora do Mac, ela viu Buckingham voltar para o grupo e, na forma de um quarteto, vê-lo lançar o morno “Say You Will”, em 2003, sem muito sucesso ou relevância. Ela, por sua vez, lançou o segundo trabalho solo, “In The Meantime”, no ano seguinte e, ao contrário da música de estádio de sua banda original, seu álbum vinha cheio de canções em pequena escala, íntimas, arranjadas docemente, refletindo sua fase naquela época.
Christine, no entanto, voltaria para o Fleetwood Mac em 2013, com a promessa de gravação de um novo álbum. Ela, Buckingham, John McVie e Mick Fleetwood iniciaram o processo de composição das canções e troca criativa no estúdio, com participação ocasional de Stevie Nicks. Entre 2015 e 2017, o grupo excursionou, mas o processo de gravação do novo álbum emperrou porque Stevie não estava colaborando como deveria. Finalmente veio a notícia de que ela priorizaria sua carreira solo em vez de gravar com a velha banda. Desse jeito, o quarteto remanescente deu andamento às sessões e, com o título de “Lindsey Buckingham/Christine McVie”, lançou o álbum que seria da banda, em 2017. Sendo assim, este disco permanece como um registro “Clandestino” do Fleetwood Mac bastante contemporâneo e cheio de ótimas canções. As faixas de Lindsey são excelentes e de acordo com a produção atual dele, enquanto McVie mostra traços da introspecção que tomou conta de suas composições, para, no fim do álbum, com “Carnival Begin”, recobrar toda a excelência como intérprete e autora. É, sem dúvida, um dos grandes momentos do Mac.
Neste ano Christine lançou uma compilação de sucessos de seus álbuns solo e uma revisita a “Songbird”, sua canção-emblema, refeita no estúdio com produção do ótimo Glyns Johns e o acompanhamento de uma orquestra. Na entrevista que deu para a Rolling Stone por conta do lançamento do álbum, ela, em certo momento, diz: “Minhas canções sempre foram sobre vida, remorso e rejeição”. Uma olhada superficial nesta frase pode mostrar uma pessoa triste, depressiva. Mas não, pelo contrário. Christine viveu, gravou, produziu, influenciou gerações – de Sheryl Crow a Weyes Blood – e segue como uma das grandes compositoras e cantoras de seu tempo. Sua perda é irreparável.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.