Quando Arrigo Barnabé foi ao Chacrinha

 

 

Em algum ponto do início de 1988, Arrigo Barnabé, Eliete Negreiros, Ana Amélia e Vania Bastos surgiram no palco do Cassino do Chacrinha. Alguém que não acompanhasse as notícias da época, certamente estranharia:

 

– Arrigo no Chacrinha? Vai cantar algo de “Clara Crocodilo”? Vai cantar alguma música da trilha de “Cidade Oculta”? De “Tubarões Voadores”?

 

Nada disso. Os primeiros acordes de “Uga-Uga”, faixa de trabalho de seu álbum “Suspeito”, lançado no fim de 1987, irrompem pelo auditório do Teatro Fênix e os quatro começam a dançar e cantar, segurando bananas. A canção, composta por Arrigo e Dino Vicente, produtor do álbum, foi sucesso radiofônico naquela virada de ano e credenciou o cantor e compositor paranaense a receber um espaço na agenda de atrações do Chacrinha. Uma olhadela na história ajuda a entender.

 

No encarte de “Suspeito” a letra e ficha técnica de “Uga-Uga” são precedidas por uma explicação sobre a existência da composição:

 

“Em 79 passou despercebida pelos jornais uma notícia sobre dois homens que foram encontrados vagando perdido pela Transamazônica. Sobreviventes de uma tribo desconhecida, os pobres diabos, um ex-garimpeiro e um sociólogo, eram pele e osso só. Diziam ter sido capturados por uma tribo de mulheres canibais que seduziram os homens com uma dança afrodisíaca chamada UGA UGA e depois atacavam com mordidas. O ex-garimpeiro afirmou quem, “se essa dança chegasse às cidades, os homens estariam perdidos e as mulheres iam mandar em tudo”. O sociólogo não quis comentar a afirmação”. 

 

Arrigo vinha de dois lançamentos que quase chegaram no universo do rock brasileiro oitentista. “Cidade Oculta” e “Tubarões Voadores”, discos complexos – o primeiro era uma trilha sonora de filme homônimo – que traziam a vanguarda musical que Arrigo ajudou a criar em São Paulo, junto com algumas concessões ao pop-rock vigente, mas tudo ainda muito hermético para o grande público. Assediado por gravadoras, lhe pediam que criasse um hit radiofônico, algo que emplacasse, que o povo cantasse junto. Pois bem, ele fez.

 

Contratado pelo recém-fundado selo musical 3M, Arrigo gravou “Suspeito” e “Uga-Uga” foi a faixa de trabalho. Vê-lo com o trio de cantoras que o acompanharam no disco, em público, cantando e dançando, certamente nos remete à influência que ele, Arrigo, exerceu na fundação da banda brasileira mais popular daquela década até então: a Blitz.

 

A melodia de “Uga-Uga” é exemplar. O arranjo de teclados é puro tecnopop oitentista comercial e o contraponto entre a voz de Arrigo – grave, desesperada, exagerada de propósito – com os registros agudíssimos das cantoras – igualmente intencional – é maravilhoso. Ao lado disso, versos como “você vem pra me dar a mordida//eu disfarço, mas tô numa fria” ou “vou tentar devorar um bwana//carne humana é muito bacana” tornam o espetáculo próximo do surrealismo total.

 

Arrigo não gosta muito da música. Acha que o disco tem problemas, uma visão que faz sentido dentro de sua trajetória. Ele nunca mais empreendeu um flerte tão firme com o mercado popular da música no país. “Suspeito” tem outras músicas bacanas, como “Dedo de Deus” e “Já Deu Pra Sentir”, além da faixa-título, que até ganhou clipe no “Fantástico”, mas, sinceramente, vê-lo cantando “Uga-Uga” em pleno Cassino do Chacrinha, oferecendo bananas para os jurados ou jogando na plateia, é, de certa forma, uma bela e sensacional sacanagem.

 

Como tratava-se de um hit comercial, “Uga-Uga” também levou o cantor a aparecer no Clube do Bolinha e no Xou da Xuxa.

 

Considero a apresentação do Chacrinha um dos grandes momentos da TV brasileira nas últimas décadas. Veja abaixo.

 

 

 

 

Em tempo: o próprio Arrigo disse posteriormente que a apresentação no Chacrinha aconteceu por pagamento de “jabá”, e que isso não ajudou a divulgar mais ou menos o seu trabalho. O  “jabá” era – e segue sendo – um dos grandes meios de divulgação de artistas musicais no chamando mainstream. Acontece lá fora, acontece aqui.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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