Os 30 anos d’Os Grãos

 

Não adianta ser bonitinho e politicamente correto: “Os Grãos”, sétimo álbum lançado pelos Paralamas do Sucesso, em 1991, não é um disco fácil. Ele tem uma série de características que o difere dos trabalhos anteriores e também dos que vieram em seguida. É um disco que tem uma influência total do tempo em que foi gravado, seja pelo fato de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone estarem orbitando seus 30 anos de idade, como por ter sido gravado e lançado em meio ao Plano Collor, aquela violência institucional que confiscou a poupança dos brasileiros, além de ter arremessado o país numa recessão ainda maior do que vivera nos anos 1980. De várias formas, “Os Grãos” reflete tudo isso, a maturidade, a barra pesada do país e, talvez mais do que tudo, os demônios pessoais dos integrantes da banda. E seu conjunto de canções não é exatamente o melhor que a banda já compôs.

 

Este é um dado interessante, uma vez que, mais que as outras bandas brasileiras de seu tempo, o trio paralâmico é constituído por amigos de verdade. Caras que já chegam no estúdio tão entrosados que tudo parece sair naturalmente. Mas, aqui, em “Os Grãos”, a coisa não foi assim. Atritos criativos, problemas de conceito, escolhas controvertidas, tudo isso também deu ao álbum uma aura difícil, complicada, antipop. E, em meio a isso, a amizade dos caras deu uma estremecida. A crítica o massacrou, especialmente André Forastieri e Luis Antônio Giron, integrantes da facção paulista da emissão de opiniões musicais. É verdade que nenhum dos dois jornalistas parecia ser admirador do estilo paralâmico, mesmo nos momentos mais caribenhos, baianos ou diaspóricos dos álbuns anteriores, os paulistas pareciam sempre cobrar uma legitimidade rock do trio carioca, algo que, já havia sido deixado para trás pelo grupo desde 1986.

 

Esta riqueza de abrangência, de influências, que álbuns como “Bora-Bora” (1988) e “Selvagem?” (1986) mostravam com exuberância e orgulho, está quase ausente de “Os Grãos”. Aqui a banda está muito mais contida, quase experimental em termos de uso de timbres, recursos eletrônicos e letras. De fato, Barone e Bi parecem em segundo plano para um momento que é mais de Herbert do que deles. Há um excesso de programações e sampling ao longo das faixas e o potencial dançante da banda é deixado de lado, só vindo à tona em “Carro Velho”, faixa que soa como um pseudo-axé, com percussão e batucada, mas que soa muito “off-Barone”. É legal, mas totalmente esquecível. E as outras canções são muito mais românticas e redentoras do que o normal. Explica-se: Herbert deixara para trás uma fossa sentimental que parecia se retroalimentar, gerando momentos de exposição pública, como a que ele perdeu a linha no Jazzmania, extinta casa noturna do Rio, que motivou a composição de “Tribunal de Bar”, a faixa de abertura do álbum.

 

Há, no entanto, ótimos exemplos de canções que sobreviveram ao tempo. “Trac Trac”, símbolo da integração dos Paralamas com a Argentina e demais países do Cone Sul, é um acerto no alvo. O original de Fito Paez recebe um tratamento roqueiro direto e reto, com letra maravilhosa de Herbert e participação do pai da criança nos vocais e teclados. Não é exagero dizer que esta é uma das melhores gravações de toda a carreira do grupo. Também temos “Tendo A Lua”, uma espécie de hit involuntário, que o grupo parece tocar muito mais para agradar aos fãs. É um reggae em câmera lenta, com tecladinhos e detalhes belos na produção – a cargo de Liminha – que lembra um pouco do que vinha sendo feito por gente como Maxi Priest à época.

 

E há três grandes canções, totalmente injustiçadas. A faixa-título, é uma delas, com um instrumental bem legal, que remonta ao passado reggae do trio, com participação efetiva de Bi e Barone no arranjo, que também tem espaço para metais e detalhes que dão cores interessantes ao resultado. “Sábado” é outro exemplo, que mistura bem o eletrônico e a pegada paralâmica habitual, mostrando que Herbert já não sofria mais por amor, também pudera, este disco mostra o romance e o casamento dele com Lucy Needham, certamente o motivo da sensação de redenção e renascimento que a canção traz. E tem “A Outra Rota”, com piano e cordas, bela e solene: “eu vou fechar as contas e me mandar. Me ajoelhar, pedir perdão, depois te perdoar”. É aquele tipo de canção que os pedantes gostam de chamar de “deep cut”. E é.

 

“Os Grãos” entrou para a história como um marco da maturidade dos Paralamas, insinuado em termos estéticos, mas que mostrou que, de fato, o trio queria voar muito alto. “Severino”, o disco seguinte, era muito mais experimental e ousado, novamente marcando o desejo da relevância e da imortalidade pela arte. E isso, gente, com o passar do tempo, só dá brilho para essas tentativas, porque tal desejo parece ter sido abandonado da produção musical, vinculada apenas aos cliques e ao lucro. Vendeu pouco, mas mostrou o quanto a banda queria fazer. Marcou uma fase que os Paralamas só encerraram com “9 Luas”, de 1996, seu disco pop e ensolarado, perfeito, redondinho.

 

“Os Grãos” não é perfeito, longe disso. É daquele tipo de trabalho problemático, pretensioso, que movem a arte e marcam a relevância de um artista. O tempo lhe concedeu essa aura e ele sobreviveu intacto, desafiando os fãs banais a gostarem de seus mistérios. E isso é muito.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Os 30 anos d’Os Grãos

  • 12 de maio de 2021 em 22:17
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    O disco tem fãs ferrenhos. Eu gosto bastante e ele melhorou com o tempo.

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  • 12 de maio de 2021 em 18:05
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    Belissimo artigo. Belo album. “Não Adianta” é para mim a obra mais bonita que a banda produziu.

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