O Serviço Essencial
Não adianta fugir, fechar os olhos ou tapar os ouvidos. O mundo inventa novos meios de atingir você em cheio. Não há jeito, vivemos cercados por mensagens a torto e a direito. O que lhe resta, leitor? A alienação, o devaneio? Prefira a reflexão. E o humor!
Humor acima da Mídia: crônicas sobre um mundo midiatizado em exagero.
Ninguém sabe como foi difícil encontrá-los. Eu procurei por toda parte! Catálogos telefônicos, internet, associações comerciais, perguntei aos profissionais da área, mas eles simplesmente pareciam não existir. Uma espécie de empresa fantasma, que não anuncia, que não divulga a prestação de seu serviço – essencial, sob o meu ponto de vista.
O mais interessante é que em pouquíssimo tempo eles conquistaram inimigos poderosos: as maiores agências de publicidade do país, os mais respeitados assessores de imprensa, as emissoras de tevê e tudo quanto é grupo de mídia que se possa imaginar. Sem saber de onde vinha o esforço, que empresa era essa e como ela poderia desenvolver tecnologias tão inovadoras, os grupos de mídia não tinham nem como processá-la. Apenas ficavam assistindo o progresso da tal empresa, e o número crescente de usuários do serviço.
Foi por acaso que eu descobri o nome da organização: SA Sociedade Anônima. Entenderam? Tão anônima que tinha o nome de SA…
A coisa toda funcionava de maneira bem simples. Eles se propunham a inventar tecnologias que ajudassem o cidadão comum a evitar todo e qualquer tipo de propaganda, merchandising, mídia estática, marketing direto etc. O primeiro produto que se tornou popular foi um sistema de bloqueio a chamadas de telemarketing. Funcionava com um sistema de identificação de expressões-chave, tais como “gostaríamos de oferecer” ou “oferta imperdível”. Qualquer uma dessas 194 expressões implicaria no término da ligação e o bloqueio do telefone ou PABX do qual o “vendedor” telefônico discara. O sistema era sofisticado ao ponto de identificar as vozes dos amigos, parentes ou pessoas previamente registradas, para evitar de a ligação ser interrompida sem propósito – do contrário, as pessoas iriam precisar de muito cuidado com as palavras pra não ter seu telefonema interrompido. O serviço incluía ainda uma mensagem automática para a empresa de telemarketing, no momento do bloqueio. Quando tentássem refazer o contato, ouviriam:
“Desculpem, mas o usuário desta linha de telefone não deu qualquer tipo de autorização para que os senhores entrassem em contato. Qualquer produto ou oportunidade que tenham a oferecer não são bons o bastante para que seja desrespeitada a privacidade do usuário, com a desnecessária interrupção do seu silêncio. Por favor, não insistam, ou as medidas tomadas serão bem menos educadas do que esta mensagem.”
Em seguida, a SA passou a oferecer o sistema de triagem de correspondência. Funcionava como se os usuários pudéssem contar com uma boa secretária, para separar as cartas, contas e demais correspondências de interesse dos prospectos, folhetos, folderes promocionais e outras papeladas sem importância. Soube que em pouco tempo conseguiram baratear o serviço – a procura foi enorme, e eles ainda fizeram uma parceria com a cooperativa de catadores de papel para reciclagem das correspondências inúteis. Um sucesso, enfim.
Daí por diante, não pararam mais. Eram sistemas de choques elétricos para os entregadores de panfletos na rua, alarmes sonoros para indicar a presença de vendedores porta-a-porta e toda uma parafernália tecnológica de alto nível. A SA conseguiu criar um meio de “driblar” os horários comerciais da tevê, exibindo vídeos com conteúdos variados, ao gosto do cliente. Assim, nos intervalos da programação, os clientes poderiam optar entre miniprogramas educacionais ou clipes eróticos, por exemplo. Tudo isso para evitar que o anunciante indesejável entrasse – sem permissão! – na casa do espectador.
Quando finalmente encontrei a SA, soube que eles estavam empenhados no projeto mais ousado de todos: desenvolver um óculos que fosse capaz de filtrar as imagens do mundo, evitando toda e qualquer mensagem midiática comercial. Funcionaria como se os óculos impedissem de ver o texto de um outdoor na rua, dos cartazes e cartazetes em locais públicos e até mesmo as marcas de qualquer tipo de produto estampadas nas embalagens. Nada que pudesse induzir ao consumo, nenhuma mensagem que pudesse valorizar uma marca ou seduzir um consumidor, nada, nada, nada seria visível para o usuário dos óculos.
Eu estou só aguardando. Enquanto isso, quando páro nos sinais, procuro não olhar muito pro lado…
Ricardo Benevides é escritor e professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e da FACHA. Doutor em Literatura Comparada (UERJ), também trabalhou como editor na Ediouro e na Editora Paz e Terra.