O Rock em Boas Mãos – Três Bandas de 2019
O rock, você sabe, morreu. Quer dizer, não, isso não é correto. O que morreu, ou melhor, passou, foi o tempo em que o rock surgiu enquanto fenômeno histórico. Este tempo, a segunda metade do século 20, passou como tudo tem que passar. À medida em que os anos transcorriam, ficava evidente que guitarras, posturas, contestação do sistema, tudo isso, eram traços de um contexto específico, em vias de ser substituído por outro. E isso veio, lá no início dos anos 1990, dando ao grunge o status de último movimento, vá lá, cultural que surgiu por conta do rock. Nirvana, bandas com camisa de flanela nas paradas de sucesso, guitarras distorcidas nas paradas de sucesso. Do outro lado do Atlântico, algo semelhante com o britpop de Oasis e Blur. Depois disso, nada. O silêncio. Ou melhor, algum ruído dos Strokes e seus clones, mas isso já era o novo século. O nosso.
Desde então, o rock passou a ser coadjuvante na vida cultural dos jovens do planeta. Foi substituído pelo pop gradativamente, especialmente quando este passou a adotar em seu ideário um apreço por conceitos, ideias e vivências que iam além da música. Quando Beyoncé, Rihanna e outras artistas mega-mundiais passaram a declarar publicamente sua sintonia com questões de combate ao preconceito, incentivo a posturas feministas e outros temas necessários, o rock ficou ainda mais esvaziado. Afinal de contas, ele era o estilo encarregado de transmitir essas informações, digamos, extra-música. Mesmo que o rock ainda seja a primeira opção quando pensamos em música e “mensagem” política ou algo assim, ele já não é mais o mesmo. Pra completar, recentemente ficou claro que o estilo tornou-se prisioneiro de gente conservadora, o que não poderia significar uma ironia história maior para um bem cultural que surgiu justamente para questionar a caretice de plantão.
Corta.
O rock está vivo e bem. Respira com força, tem vigor e está por aí, bem longe dos seus ouvidos e vista. Se você depender da grande mídia nacional para encontrá-lo sua resposta será, no máximo, as escalações dos festivais de música no Brasil. Verá gente defendendo a relevância do Whitesnake, a importância do Alter Bridge e, com sorte, verá algum apresentador do Multishow constrangido em defender o Greta Van Fleet. Digo “sorte” porque será tragicômico. Pois bem, o rock passa bem longe disso atualmente. Ele está nos setores alternativos da música, da mídia, da indústria. Tornou-se um privilégio de pessoas esclarecidas, no sentido de que é necessário noção e percepção para libertar-se dos hábitos e das programações das “rádios rock”, tão conservadoras e contraditórias quanto um eleitor de bolsonaro que se diz fã do The Clash. Terá que cavar na Internet, ler publicações gringas, ler a Célula Pop (modéstia à parte, mas é verdade). O melhor de tudo nesta equação é que é certo encontrar bandas sensacionais à espera de descoberta. O bom rock não está na mídia, repita comigo várias vezes.
Com a intenção de facilitar a sua busca e iniciar o caminho pra você, separei três bandas sensacionais e novíssimas – todas com menos de dois anos de vida – para sua apreciação e deleite. A partir delas, nem que seja pelos algoritmos do Spotify e outros serviços de streaming, você vai andar sozinho/a e perceber o quão saudável e legal está o rock safra 2019. Ele tem vigor, sorriso no rosto, boas influências e uma pinta de campeão. Não se iluda, sua crítica política está no nível pessoal, dos costumes, afinal de contas, rock sem crítica não é rock. Dê uma lida, corra atrás e boa viagem.
Rolling Coastal Blackout Fever
Direto de Melbourne, Austrália, esta banda sensacional é responsável pela melhor música que ouço em anos, “French Press”. Suas influências vão de Go-Betweens a REM, com um apreço enorme por aquele rockão de guitarras fluidas e generosas, com DNA colhido num exame de sangue dos Byrds. Mas, claro, não é só isso. RBCF tem ironia, bons músicos e está arrebentando nos Estados Unidos enquanto você está lendo isso aqui. Ouça o EP “French Press” e o disco “Hope Down” para ter certeza da beleza.
Fountaines DC
Direto de Dublin, Irlanda, o quinteto soltou seu primeiro disco há menos de um mês, o ótimo “Dogrel”. A receita aqui é pós-punk inglês bem tocado, com letras poéticas, vocalista e guitarristas em sintonia total e a capacidade de dosar ataque sonoro com ótimas melodias e excelentes canções. A banda está em turnê pela Europa e deve desembarcar nos Estados Unidos logo. Ouça logo porque “Dogrel” estará nas listas de melhores de 2019 com toda a certeza. Pelo menos nas melhores.
Pip Blom
Direto de Amsterdam, Holanda. O negócio aqui é revisitar as grandes bandas com vocalistas femininas dos últimos 20, 30 anos. Pip é a vocalista/guitarrista e seu irmão Tender, também maneja as guitarras. A voz da moça está no limite das irmãs Kim/Kelley Deal, se elas fossem mais jovens quando iniciaram suas carreiras. Também há um pouco de Shirley Manson em algum lugar do registro vocal. As canções são pequenos docinhos enguitarrados, com apreço pelo lo-fi não-pentelho e pela maestria na confecção de refrões ganchudos.
O primeiro disco, “Boat”, sai depois de amanhã.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Que post!
Muito bom ler uma matéria sobre o rock por quem conhece do assunto.
Parabéns ao CEL, solicitei segui-lo no Insta.
Opa, Henrique, muito obrigado. Abração.