O pós-punk sonhador do Metric em “Formentera”

 

 

 

Metric – Formentera
(Thirty Tigers)
48′, 9 faixas

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Formentera é o nome de uma ilha espanhola ao sul de Maiorca, no Mar Mediterrâneo. Só se chega lá numa balsa que sai de Ibiza, numa viagem de 25 minutos. Foi uma espécie de paraíso hippie nos anos 1960/70 e, claro, arranhou a história do rock em alguns momentos. Dylan morou lá no início dos anos 1970. Joni Mitchell escreveu lá algumas canções de seu belo álbum “Blue” (1971) e o King Crimson batizou a faixa de abertura de “Islands”, seu trabalho daquele mesmo ano, com o título de “Formentera Lady”. Mais recentemente, a cena noturna de Ibiza deu origem a um tipo de som eletrônico, dançante e muito devedor da house/disco, recebedor do rótulo “balearic sound”. Pois bem, o Metric nada tem a ver com isso. A banda, porém, escolheu batizar seu novíssimo trabalho com o nome deste pequeno paraíso espanhol para assinalar que gerou e lançou um álbum bem diferente do que vinha fazendo. É engraçado, porque o som desse quarteto canadense de Toronto é tão perfeitinho que ninguém se importaria que eles se limitassem a repetir sua bem urdida fórmula de pós-punk tecladeiro, mas, como dissemos, “Formentera”, o disco, nos dá muito mais.

 

 

“Para mim, além da óbvia escuridão e tristeza e os muitos desafios dos últimos dois anos, este foi um dos processos mais felizes de fazer um álbum de todos os tempos…” disse a vocalista Emily Haines. Formentera, para o Metric, só existia em um livro de viagens de “destinos dos sonhos” sobre a mesa de seu estúdio de gravação. “Vivemos em nossa imaginação há muito tempo, porque não podíamos ir fisicamente a nenhum outro lugar”, explica o guitarrista e coprodutor Jimmy Shaw. “Quando você ouve o álbum do começo ao fim, você começa com essa sensação imediata de construção de tensão, de estar preso em um loop, e então há essa liberação intensa que acontece em Formentera, e é como se você tivesse escapado.” Haines continua: “Chegamos à conclusão de que não era mais sobre um lugar real, era sobre criar uma fuga para si mesmo em sua mente, porque você é impotente diante de tantas coisas.”

 

 

Pra começar o disco, “Doomscroller”, com mais de dez minutos de pura arte na produção de climas e timbres, já mostra que o Metric não está para brincadeira. Emily se vale de seu charme habitual para atravessar caminhos obscuros e estranhos. Quando você pensa que vai demorar demais, a canção acaba e te arremessa no turbilhão de informações que é “Formentera”. Logo chega “All Comes Crashing” e, após ela, o primeiro grande momento do álbum, com a ótima “What Feels Like Eternity”, com uma dinâmica de guitarras e teclados invejável, novamente com a voz de Haines pairando e oscilando entre timbres de sonho e força feminina, como se fosse uma misturinha de Shriley Manson e Liz Frasier. A faixa-título vem logo em seguida, com cordas e climas logo na abertura, desaguando num oceano de beleza em câmera lenta, com ótima construção de timbres de teclado e uma melodia de sonho.

 

 

O desfile continua com outra lindeza maior: “Enemies Of The Ocean”, que amplia a faixa anterior, novamente investindo num clima de balada oitentista classuda, mas destacando elementos como o andamento quebrado da bateria, a ótima linha de baixo e, novamente, o ótimo desempenho dos teclados. “I Will Never Settle” confunde o ouvinte, começa lenta e climática para derivar num ritmo cadenciado e rapidinho, com belas guitarras acompanhando sua estrutura. “False Dichotomy”, um dos singles, é uma ótima canção que poderia ser do ABBA, caso a banda sueca resolvesse pegar um pouco mais pesado. “Oh Please” é outro exemplo de excelência melódica no álbum e outro exemplo de guitarradas bem dadas sobre a base sólida de baixo, bateria e teclado. O fecho bem “Paths In The Sky”, uma não-balada que vai crescendo para soar como se tudo fosse colocado em jogo, um ótimo exemplo de como se encerra um disco muito bom.

 

 

O Metric subiu vários degraus em sua escala pessoal de evolução com “Formentera”, que é um disco de pandemia, mas soa exuberante e sonhador. Não deixe de ouvir e se apaixonar.

 

Ouça primeiro: “Formentera”, “Doomscroller”, “Enemies Of The Ocean”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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