O pop perfeito e engajado de AURORA

 

 

 

 

AURORA – What Happened To The Heart?
62′, 15 faixas
(Universal)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Dentre as cantoras pop de influência planetária em atividade, talvez a norueguesa AURORA (nome grafado em garrafais) seja a de menor alcance. Não se enganem – ela faz parte do time de Lana Del Rey, Mitski, Charli XCX, Sabrina Carpenter, Katy Perry, Kali Uchis e mesmo da brasileira Anitta, uma espécie de “meio da tabela”, de um campeonato hipotético que tem no topo Beyonce, Dua Lipa, Madonna, Lady Gaga, talvez ainda Rihanna e Shakira e uma ascendente Olivia Rodrigo. Afinal de contas, Aurora Aksnes “só tem” dezoito milhões de ouvintes no Spotify, não é figurinha fácil em campanhas publicitárias ou talk shows anglo-americanos, pelo contrário, ela é uma jovem de 28 anos bastante engajada em questões comportamentais, ecológicas e dona de opiniões fortes e conscientes. Seu novíssimo álbum, “What Happened To The Heart?” questiona o que houve com as emoções, a compaixão e o espírito humanos diante do tempo em que vivemos. Como nos tornamos esses seres pouco gregários, vingativos e indiferentes em relação ao próximo? Como deixamos a lógica vigente – que mói perspectivas e sonhos – nos fazer assim, como se fôssemos máquinas sem compaixão, visando apenas dinheiro e vantagens? Essas e outras questões são colocadas ao longo das 15 faixas deste ótimo What Happened To The Heart?, seu quinto trabalho.

 

É um baita questionamento para alguém que, supostamente, deveria estar falando de assuntos triviais como a paquera do Tinder, os novos looks e dancinhas da moda, os moderníssimos sons da noite enquanto demonstra superioridade física, emocional e mental sobre o maior número de pessoas possível, afinal de contas, na maioria das vezes, ser uma artista pop de nível planetário hoje não comporta vulnerabilidade ou fraqueza de quase nenhum tipo. Quando há alguma delas, deve ser encarada com um senso de humor à prova de falhas. AURORA vai numa outra via e exibe uma seriedade acima da média de suas contemporâneas e tudo isso parece genuíno. Sua preocupação com o estado de coisas soa sincera e angustiada e as reflexões que ela faz sobre o assunto, que são os assuntos tratados ao longo das quinze faixas do álbum, são muito maduras e pungentes. Some-se a isso uma eficiente mistura de musicalidade nórdica via synthpop e tonalidades indie que a aproximam, por exemplo, de bandas como Florence And The Machine e o resultado é uma música eficiente e bela.

 

Com duração ultrapassando uma hora ,”What Happened To The Heart?” tem momentos interessantes e uma média altíssima de acertos. A produção do colaborador Magnus Skylstad reveste tudo com uma delicadeza solene e gelada, que cai muito bem no discurso de AURORA. Além disso, ela conta com as colaborações de gente bacana como Ane Brun e o chemical brother Tom Rowlands, entre outros, trazendo um pouco de oxigenação para os arranjos e construção das faixas. Com esse – para usar um termo caro aos millenials – design de produção, o álbum flui facilmente dentro da proposta temática escolhida e cai como uma luva no gosto dos fãs e seguidores da cantora, que esperam esse tipo de manifestação “consciente” por parte dela. E mais: neste trabalho é possível dizer que AURORA fincou mais o pé no synthpop, privilegiando as texturas eletrônicas e sintéticas em relação ao ambiente indie. A proporção parece ter feito bem às canções, que soam pungentes e relevantes dentro do contexto.

 

Há um número bem alto de ótimos momentos ao longo do álbum e eles já começam na segunda faixa, “To Be Alright”, que vai flertando com timbres e detalhes de um pop rock eletrônico atemporal e muito eficiente. Em “Your Blood” você já está devidamente fisgado, não só pelo vocal perfeito, mas pelo arranjo elegante que vai criando clima acústico em meio a um instrumental que vai crescendo, crescendo e absorvendo o ouvinte até o ponto de não-retorno. O tom baixa na bela “The Conflict Of The Mind”, que novamente mergulha em detalhes eletrônicos colocados a serviço de uma melodia cuja acessibilidade remonta ao Abba, tamanha a belezura e eficiência. “Some Type Of Skin” é, além de um forte libelo anti-racismo, uma baita criação de estúdio, que, a exemplo de outros bons momentos do disco, se valem de um clima de crescendo para explodir em refrão e instrumental. A lindeza máxima do álbum chega com “The Essence”, que tem violão de aço com ecos bossanovísticos pontuando tristeza pós-moderna e existencial, enquanto o single “Do You Feel?” é outro momento em que pop dançante e eletrônica se encontram com perfeição.

 

AURORA se mostra instigante e relevante com “What Happened To The Heart?” e pode estar selando a sua subida de prateleira no mundo pop. Ou, usando a metáfora futebolística do início do texto, chegando na ponta da tabela. Vamos acompanhar. Enquanto isso, mergulhe nesse ótimo trabalho.

 

 

Ouça primeiro: “To Be Alright”, “Your Blood”, “The Conflict Of The Mind”, “Some Type Of Skin”, “The Essence”, “Do You Feel?”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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