O interminável Santana

 

 

Santana – Blessings And Miracles

Gênero: Rock, pop

Duração: 56:15 min.
Faixas: 15
Produção: Santana
Gravadora: BMG

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Este é o quarto disco sensacional que Santana lança em um intervalo de cinco anos. O ciclo virtuso vigente começou com “Santana IV”, de 2016, no qual o veterano e venerável guitarrista mexicano reencontrou integrantes de sua banda e com eles colaborou e excursionou pelo mundo. Um ano depois, veio a inusitada e maravilhosa união com os Isley Brothers, que resultou num dos álbuns mais belos dos últimos tempos, “Power Of Peace”, no qual os envolvidos reinterpretam clássicos da soul music. Em 2019, outra cacetada: “Afrika Speaks”, com produção de Rick Rubin, empreendendo a reconexão das raízes percussivas de Santana, a banda, com o continente primordial. Agora temos um belo representante do aspecto colaborador de Carlos Santana, materializado neste ótimo “Blessings And Miracles”. Lembra os multivendedores “Shaman” e “Supernatural”, mas tem mais charme e equilíbrio.

 

A receita a gente já conhece: temos a guitarra eloquente e elegante de Santana, totalmente reconhecível já no primeiro acorde. Temos a banda que o acompanha, sempre virtuosa e competente. E temos um monte de convidados e colaboradores, que ajudam a dar uma cobertura ao já saboroso bolo habitual. Só que esta leva de vocalistas e compositores da vez parece ter funcionado muito bem dentro do espírito eclético que Santana promove quando grava discos desta natureza. Sinta o time: Corey Glover (vocalista do Living Colour), Chick Corea, Diane Warren (compositora multi-platinada), Kirk Hammet (guitarrista do Metallica), Steve Winwood, os filhos de Santana, Salvador e Stella, o rapper G-Eazy, o cantor country Chris Stapleton, a cantorinha pop Ally Brooke e o retorno de Rob Thomas, do Matchbox 20, com quem Santana arrebentou a banca, a boca do balão e tudo mais, com o hit “Smooth”. Foi com Thomas que este disco começou a ver a luz do dia, por ocasião do single “Move”, que, verdade seja dita, apenas requenta a fórmula vencedora de mais de 20 anos atrás.

 

“Blessings…” tem coisas bem mais legais, começando pela lindeza comovente da versão de “Whiter Shade Of Pale”, cavalo de batalha classic rock do grupo Procol Harum, interpretada pelo sempre sensacional Winwood. O entrosamento é total, o arranjo respeita o original, exceto por acrescentar percussão e um dos solos mais belos que Santana fez nos últimos anos – e não foram poucos. Tudo brilha também em “Peace Power”, a colaboração com Corey Glover, que segue como um dos mais talentosos vocalistas do rock em três décadas, ainda com menos fama e fortuna do que merece. A canção é incendiária, pesada e com groove, do jeito que a gente espera e gosta. “America For Sale”, a colaboração com Kirk Hammet, é outra cacetada na lata, aproveitando o melhor do guitarrista do Metallica na confecção de uma faixa pesada e oportuna, mas sem qualquer parentesco com a banda original de Kirk, o que é ótimo. No fim, um duelo incendiário de guitarras, como se espera, mas que é bem feito e empolga.

 

Mas Santana, a gente já sabe, não é só rock. Ele adora um bom pop e, além de “Move”, que já dissemos, é meio morna, ele abre espaço para coisas bem interessantes. Uma delas é “Joy”, que tem vocais de Chris Stapleton, que soa como um Bon Jovi menos afetado, num arranjo surpreendente que pega emprestado um andamento reggae. Funciona. A baladinha pop “Break” é bonitinha e também funciona, ainda que o arranjo fique devendo um pouco mais de carinho e cuidado no acabamento. “She’s Fire”, composta por Dianne Warren, tem vocais de G-Eazy e um andamento meio “urban contemporary”, que funciona, ainda que pareça meio forçado para ouvintes old school. E tem uma faixa-homenagem ao falecido Chick Corea, “Angel Choir/All Together”, que cumpre a função de lembrar o amigo tecladista e contemporâneo.

 

Além disso tudo, temos as canções “caseiras”, divididas entre instrumentais e colaborações belas com os filhos. “Breathing Underwater”, por exemplo, tem vocais de Stella Santana, que dá conta belamente do recado. Temos também a ótima “Rumbalero”, que investe no lado latino essencial da banda, com participação bacaníssima de Salvador Santana nos teclados. E, claro, temos os instrumentais santanescos, que mostram a guitarra do homem em meio ao oceano de percussão que a gente espera. Dentre elas, surge majestosa “Song For Cindy”, em homenagem à mulher, Cindy Blackman-Santana, que é a baterista da banda e musa.

 

“Blessings And Miracles” é grandioso, eloquente e não tem qualquer medo de oferecer canções em várias direções. Como elo entre elas, a competência habitual de um artista que está há quase 60 anos lançando discos relevantes e importantes para o rock. E que, ao longno deste tempo, forjou uma assinatura sonora própria e intransferível.

 

Ouça primeiro: “Song For Cindy”, “Whiter Shade of Pale”, “Joy”, “Rumbalero”, “Break”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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