O incrível novo disco de Tom Jones
Tom Jones – Surrounded By Time
Gênero: Pop, rock
Duração: 61 min
Faixas: 12
Produção: Elvin Johns
Gravadora: EMI
“I’ve been around, you know?” é uma fala proferida pelo personagem de Al Pacino em “Perfume de Mulher”. Precisamente ela surge em meio ao julgamento no colégio do jovem cuidador do militar vivido por Pacino, Charlie Simms (Chris O’Donnel) e é usada como uma variação de “você sabe com quem está falando?”. Ainda que ela seja bem amarga e adequada ao filme, tal declaração me lembrou a carreira de Sir Tom Jones, que chega ao 40º disco com o sensacional “Surrounded By Time”, lançado agora. Se há alguém que “esteve around” foi Tom. De ídolo da classe trabalhadora galesa no Reino Unido a partir de 1965, ele se tornou intérprete de canções de filmes de 007, via alternativa de Elvis Presley e um fã declarado e derramado de Bob Dylan.
Sua interpretação característica, com coração na ponta da chuteira, sua voz barítona e suas apresentações bombásticas tiveram seu tempo, mas o levaram para o ostracismo nos anos 1980 e 1990, até ser resgatado em duas ocasiões. Primeiro com a versão sensacional para “Kiss”, de Prince, com a produção e acompanhamento do combo Art Of Noise. Tal ato levou Tom de volta às paradas de sucesso e ele confirmou tal tendência com o álbum “Reload”, de 1998, no qual enfileirou 15 duetos com gente tão distinta como Portishead e Van Morrison, em versões de faixas como “Sunny Afternoon” (Kinks) ou “She Drives Me Crazy” (Fine Young Cannibals). Devidamente reconduzido às paradas em pleno entardecer do britpop, Tom recuperou sua força e viveu bons momentos até 2016, quando perdeu sua esposa, Linda, com quem foi casado por 59 anos.
Os anos anteriores à morte de Linda viram Tom enveredar por discos extremamente pessoais, a saber: o bluesy “Praise & Blame” (2010), o gospel “Spirit In The Room” (2012) e o country “Long Lost Suitcase” (2015), todos em parceria com o produtor Elvin Johns. Com o falecimento da esposa, Tom pensou em pendurar as chuteiras, mas decidiu retornar agora, após um luto de cinco anos, novamente com a pilotagem de estúdio a cargo de Johns, para um novo trabalho. Esta é a gênese de “Surrounded By Time”, um disco de retorno de um homem que já veio e foi várias vezes e que, provavelmente, está fazendo isso pela última vez, do alto de seus 81 anos de idade.
Este novo trabalho é, em essência, um disco de covers, um idioma que Tom conhece e domina, se apropriando das canções alheias com facilidade. A diferença está na escolha das interpretações e este é o principal trunfo do álbum. Ela oferece a chance de, não só confirmar o talento de Tom como intérprete, mas de traçar um caminho glorioso em sua carreira, como um cara que está e esteve à vontade para transitar entre o “cafona” e a solenidade de, por exemplo, mandar uma versão belíssima de “One More Cup Of Coffee”, de Bob Dylan, no caso, a oitava faixa de “Surrounded By Time”. Mas há muito mais para ver. Tem uma leitura irônica e necessária de “Pop Star”, composição de Cat Stevens, de 1970, na qual Tom brinca com o ostracismo e a ressignificação do termo hoje e ontem. Há uma linda interpretação para “This Is The Sea”, belíssima canção dos Waterboys, além de uma mais do que necessária “Talking Reality Television Blues”, de Todd Snider, na qual ele fala de apresentadores de reality shows que “sequestraram a realidade’, se referindo diretamente a donald trump.
Além disso, há uma versão bela de “The Windmills Of Your Mind”, canção presente na trilha do filme “Crown, o Magnífico”, de 1969, vencedora do Oscar de Melhor Canção naquele ano e uma arrepiante versão para “Lazarus Man”, de Terry Callier, encerrando o percurso sonoro. “Surrounded By Time” é um pequeno testamento musical, que insere Tom Jones num hall de poucos e raros, como Johnny Cash, Neil Diamond, Leonard Cohen e do próprio Dylan, artistas que envelheceram e souberam, cada um a seu jeito, lidar com isso em suas obras. Uma porrada.
Ouça primeiro: “This Is The Sea”, “Lazarus Man”, “Pop Star”, “Delilah”, “Talking Reality Television Blues”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.